Marinha demorou a comunicar internações

Mistério na Marinha

Autora: Amanda Moura

O Globo - 22/08/2011

Familiares cobram informações sobre internação de 57 jovens após curso de fuzileiros

A Secretaria municipal de Saúde e o Comando do 1º Distrito Naval investigam o que levou 57 jovens aspirantes a fuzileiros navais a serem internados, na última quarta-feira, no Hospital Naval Marcílio Dias. Todos participavam do curso no Centro de Instrução Almirante Milcíades Portela Alves (Ciampa), em Campo Grande, quando começaram a apresentar sintomas como febre, coriza, dor de cabeça e mal-estar. Dois jovens estão na Unidade de Tratamento Intensivo, um deles em estado grave. A Vigilância Sanitária coletou amostras para análise, cujo resultado só deve ficar pronto ao longo desta semana. Apesar de a internação em massa ter ocorrido na quarta-feira, as autoridades de saúde só foram informadas no dia seguinte. De acordo com a Marinha, todos os alunos apresentam síndrome respiratória.

O caso mais grave é o de Leonardo Gama Rodrigues, de 22 anos, que está internado no quinto andar do hospital. Na UTI, ele respira com o auxílio de aparelhos, move as mãos com muita dificuldade, além de quase não abrir os olhos. A mãe dele, Maria Souza, de 62, conta ter sido informada pelos médicos de que o filho corre risco de morrer. Ele teria também contraído uma bactéria, que ainda não teria sido identificada.

- Imagina a dor de ver um filho nesse estado e não ter informação, não ter assistência - lamentou Maria, que conta ter falado por telefone com o filho na última semana. - Ele morava comigo e só me perguntou se eu estava sozinha, se tinha pessoas para me ajudar.

Clima de segredo afeta famílias

Maria só foi comunicada sobre a situação do filho na sexta-feira à noite, quando recebeu o telefonema de um representante da Marinha. O clima de segredo em torno da internação coletiva, que afetou até mesmo os parentes das vítimas, também foi percebido ontem à tarde no hospital. Familiares de pacientes chegaram a ser revistados. Na saída, após as visitas, militares pediam celulares em busca de imagens ou vídeos dos pacientes que porventura poderiam ter sido registrados.

Para piorar a situação de Maria, que vive em Vitória, não havia lugar para que ela se hospedasse no Rio, para acompanhar de perto a internação do filho. A Marinha não prestou auxílio, e ela contou com a solidariedade de parentes de outro jovem internado. Maria passou a ocupar um quarto na casa dos tios de Victor Hugo Pereira, de 19 anos, que também está na unidade de terapia intensiva. Ontem, ela foi atendida por assistentes sociais, que informaram que vão procurar um abrigo, mas não há certeza de mudança.

Mãe de Victor Hugo, Marise Pereira critica a postura da Marinha por notificar sobre a internação do jovem apenas dois dias após o ocorrido:

- Entregamos nosso filho perfeito, e o colocaram aqui como se fosse um indigente, como se não tivesse família.

Familiares afirmam que o jovem tem uma lesão no braço, passa por hemodiálise e está com problemas respiratórios. O pai dele, João Luiz Pereira, diz que os rapazes foram submetidos a um treinamento forçado:

- Meu filho está aterrorizado e ainda tem muita coisa para contar. Mas sei que eles tiveram um excesso de exercício, sem poder tomar água. Victor falou que não quer mais servir a Marinha. Todo o sonho dele acabou em apenas 15 dias.

Segundo o infectologista Edmilson Migowski, da UFRJ, os recrutas internados no Hospital Naval Marcílio Dias podem estar sofrendo de rabdomiólise, síndrome que causa destruição muscular quando, entre outras razões, a pessoa é exposta a exercícios excessivos sem reposição adequada de água. Segundo ele, quando isso acontece, o músculo libera mioglobina, uma proteína que, nessas condições, instala-se nos rins, causando insuficiência renal. O problema, por sua vez, pode afetar os pulmões causando síndrome respiratória.

- É uma tese, pois não vi os pacientes. Mas, normalmente, a rabdomiólise atinge todos que são expostos a exercícios rigorosos sem a reposição de água adequada - disse o infectologista.

Uma pessoa ligada à investigação disse, no entanto, que a questão já está praticamente esclarecida. Exames preliminares teriam apontado que os fuzileiros foram contaminados pelo vírus Influenza B, da gripe.

- Há 99% de chances de se tratar apenas de gripe. Mas como dois alunos estavam em situação mais grave e outros apresentavam sintomas, a Marinha, por zelo, decidiu internar todos até que se afastasse a hipótese de um vírus desconhecido. Ninguém está com insuficiência renal. E, no caso mais grave, a bactéria pode ser da pneumonia - disse a fonte. - Hoje, a previsão é que 30 jovens tenham alta.

A mãe do paciente Vinícius Felipe Gonçalves, Fátima Felipe Gonçalves, disse que o estado de saúde do filho está melhor, apesar da falta de informações.

- Ele não está com previsão de alta, mas parece estar bem. Os médicos não nos passaram informação alguma, mas cogito que a exposição ao frio não fez bem a ele, já que ele tem sinusite.

Em nota, a Marinha disse que apenas um dos recrutas encaminhados ao hospital apresentou insuficiência renal. Esclareceu ainda que iniciou um processo de vacinação preventiva de toda tripulação do Ciampa.