A Indústria do Petróleo e o Meio Ambiente
Mozart Schmitt de Queiroz*
Ao se discorrer sobre este tema necessariamente deve-se refletir sobre o modelo de desenvolvimento que impulsionou o crescimento industrial das sociedades capitalistas no século XX.
Ao iniciar um novo milênio, todos os esforços para buscar uma equação para a redução da emissão de poluentes na atmosfera, como a dos níveis de dióxido de carbono proposto pelo Protocolo de Kyoto, esbarram na resistência dos países industrializados e no voto contrário a ratificação do governo americano. Bush não somente mantém a posição já conhecida dos EUA, como também propõe a flexibilização das leis ambientais para incentivar o aumento da geração de energia elétrica. Tais posturas fazem parte de um cortejo movido e cinismo e manutenção de um ciclo de dominação econômica, que se perpetua voltado para os interesses dos grandes grupos industriais.
Este modelo tem levado às últimas consequências a lógica do lucro, pouco importando-se com a saúde e a segurança dos trabalhadores e da população ou com as consequências para o meio ambiente e, com as condições de vida no Planeta para as gerações futuras. E é sobre estes fatos que refletiremos neste artigo.
Uma indústria poluidora e de alto risco
Têm razão os que apelidaram o petróleo de "ouro negro". Suas propriedades físico-químicas viabilizaram o transporte individual em altas velocidades. Consequentemente viabilizaram duas das indústrias mundiais mais rentáveis do século XX: a indústria do petróleo e a indústria automobilística. Ambas se alimentam e são interdependentes.
Consumir petróleo e seus derivados significa devolver para a atmosfera, sob a forma de gases e poeiras, uma massa enorme de carbono e outros elementos como enxofre e nitrogênio, que foram retirados desse meio a milhões de anos. Estima-se hoje que o planeta esteja consumindo cerca de 100 milhões de barris equivalentes de petróleo por dia. Essa massa de petróleo e gás é quase toda queimada, transformando-se basicamente em gás carbônico. É uma massa de carbono sem precedentes na história, jogado artificialmente na atmosfera.
Mas essa massa de gás jogada na atmosfera é apenas um dos fatores de agressão à natureza promovida pela indústria do Petróleo. As agressões ocorrem em todas as etapas dessa indústria.
Na simples exploração de possíveis campos de petróleo já são utilizadas explosões com dinamites. Alguém pode imaginar os efeitos sobre a fauna exposta a esses eventos?
No processo de perfuração de poços são descartadas lamas oleosas. Nas instalações de produção há sempre riscos de derramamentos, de incêndios e, normalmente são descartados rejeitos com enormes potenciais de agressão à natureza como as águas de produção, em geral com alta salinidade e que são descartadas ainda contendo significavas massas de óleo.
Nos vários meios de transporte de óleo dos campos de produção até as unidades de refino, há também enormes riscos envolvidos tais como derramamentos e incêndios sejam em transporte por água, dutos, ferrovias ou rodovias. Exemplos lamentavelmente fazem parte da nossa memória. O caso do Exxom Baldez é apenas o maior em termos de agressão à natureza. A explosão em gasodutos subterrâneos em uma cidade mexicana há alguns anos talvez seja o maior em vítimas humanas. Mas, para ficar no Brasil, lembremos da Vila Socó (SP), com suas centenas de mortes.
Ao lembrarmos que os grandes centros consumidores de petróleo de maneira geral situam-se distantes dos grandes polos produtores, com facilidade iremos perceber que todos esses riscos estão presentes e se multiplicam ao longo de todas as milhas percorridas pelo petróleo em sua viagem de seu sítio de origem até as refinarias.
Quando o petróleo chega a uma refinaria se inicia uma nova etapa que se caracteriza por elevados riscos à saúde e de agressão à natureza: a indústria do refino é das mais intensivas na utilização de dois insumos caros à humanidade; água e energia. E a água que utiliza, ao menos no Brasil, ainda é descartada contendo grande quantidade de óleo, além de outras matérias orgânicas e metais. A grande imprensa costuma noticiar que a indústria do Petróleo é a maior poluidora da Baía da Guanabara por exemplo. E têm razão para esta assertiva.
Por serem grandes consumidoras de energia, e em geral serem autossuficientes neste insumo, as refinarias são grande consumidoras de petróleo e seus derivados, constituindo-se, portanto, em grandes agressoras da atmosfera.
Mas depois das refinarias, os produtos ainda têm que chegar aos distribuidores finais. E aí há mais uma "viagem" a ser feita em caminhões, muitas vezes por estradas em péssimas condições, atravessando vilas sem nenhum tipo de cuidado para evitar acidentes. E eles vêm ocorrendo. Lembremo-nos do trem descarrilado e incendiando em Pojuca (Ba). Quantos caminhões já tombaram com produtos inflamáveis por nossas estradas?
Mas os problemas não param no transporte. Ë na última etapa de comercialização que os riscos aumentam e se multiplicam. Por serem dispersos e pequenos, é que passam despercebidos, mesmo pelos órgãos de fiscalização ambiental.
· Quantos depósitos de pontos de comercialização de gás de cozinha operam neste país sem os mínimos cuidados com segurança?
· Quantos postos de gasolina operam com tanques vazando, e com descarte de produtos derramados – ou usados – diretamente para as redes de esgotos pluviais?
· Quantos frentistas operam respirando hidrocarbonetos e, portanto, se expondo diretamente a agentes cancerígenos nos mais de 25 mil postos brasileiros?.
Obviamente que todos os potenciais de riscos podem ser minimizados com a tecnologia já desenvolvida pela indústria do petróleo e o cumprimento da legislação já existente. No entanto, a impressão que passa é que a humanidade, obcecada pelas emoções e facilidades que os produtos do "ouro negro" lhe propiciam, pouco se dedica a evitar suas desastrosas consequências. O estilo de vida na sociedade de consumo hoje é caracterizado por atitudes individuais, individualismo muito em voga, como a opção pelo transporte por automóvel, 25 vezes mais poluente do que os veículos de transporte coletivo.
Análises de catástrofes mostram que elas poderiam ter sido evitadas
Após cada grande acidente ocorrido nas últimas décadas tem ficado claro que os donos da indústria do petróleo, e os legisladores de maneira geral, pouco se dedicaram a prevenir catástrofes. Qualquer iniciado poderia prever o que ocorreu em Vila Socó, com uma favela construída sobre dutos de combustíveis. Mas ela estava lá, esperando a hora para virar vítima. E ainda hoje as faixas de segurança em torno de petróleo e seus derivados são pouco respeitadas, haja visto o recente acidente, que poderia ter sido pior em suas consequências, ocorrido em um conjunto residencial de luxo em São Paulo.
Precisou ocorrer aquele enorme vazamento no Alasca para que os legisladores internacionais passassem a exigir navios de casco duplo para o transporte de petróleo.
No caso do acidente da Baia da Guanabara a análise demonstrou que com alguns instrumentos de controle e maior número de operadores, no mínimo o vazamento poderia ter sido detectado e estancado logo no início. A sangria negra destruiu manguezais, matou espécies nativas e contaminou seriamente o já combalido espelho d´água da Baía da Guanabara que levará anos para recuperação.
No caso do acidente de Enxova em 84, os equipamentos que estavam lá para trazer segurança e salvar, de nada adiantaram!. E porque o grande número de mortes se havia equipamentos de segurança? Porque eles não haviam sido suficientemente testados e sequer os trabalhadores tinham o necessário treinamento para operá-los.
No caso do acidente da P-36 ficou claro que houve falhas de projeto. Algo óbvio não fora respeitado: elementar, em área sujeita a hidrocarbonetos, os equipamentos elétricos precisam ser adequadamente protegidos e isto não ocorreu, resta a indagação, porque?
Por trás desses erros fica claramente a impressão que os empresários dessa indústria – ainda que estatais – trabalham de olho grande nos lucros e muito pouco investem em prevenir os riscos inerentes a esta atividade e que são sobejamente conhecidos.
Espanta a obviedade das soluções que evitariam grandes acidentes nesta indústria. E não foram evitados por que? A pressa em produzir, a busca de recordes de produção a qualquer custo e o olhar direcionado para os enormes lucros. Além disso a progressiva redução de pessoal que deveriam cuidar dessa prevenção, agrava os problemas já existentes. A empresa vem desconsiderando os alertas técnicos apontados nesta direção.
A terceirização e a precarização no trabalho em uma indústria de ponta
A política de terceirização levada a cabo pela Petrobrás, levou a uma precarização da relação de trabalho, a uma redução do nível de qualificação e de treinamento da mão de obra contratada e a um aumento dos acidentes de trabalho.
Grande parte dos acidentes com perda de tempo e mesmo acidentes fatais, vem ocorrendo nas instalações da Petrobrás com trabalhadores terceirizados. Os números da própria empresa demonstram claramente este fato. Além disso, existe uma relação de trabalho desigual e injusta quando comparados aos efetivos próprios da empresa, em relação aos direitos sociais, estes trabalhadores não recebem orientação, treinamento e material de proteção adequado às suas funções.
A terceirização virou um grande balcão de negócios, sem limites contratuais nítidos em relação às obrigações que devem ter estas empresas prestadoras para com os contratados. O descumprimento da legislação é fragrante, das Normas Regulamentadoras no que tange a proteção, exames de saúde e instalação de CIPAS ao não recolhimento de FGTS e contribuições previdenciárias.
A empresa ao adotar esta política de não realizar concursos para suprir seus efetivos de pessoa, apostou errado que reduziria custos com a terceirização, no entanto jurisprudência existe sobre a responsabilidade solidária quando de acidentes com perdas materiais ou de vida de trabalhadores contratados no interior de suas instalações e a Petrobrás tem sido obrigada a desembolsar por conta disso.
A legislação não é respeitada
A organização do Estado é responsável pela aplicação da legislação que cada país tem. E esta legislação, na área de higiene e segurança industrial é fruto de grandes discussões e acordos internacionais, da qual o Brasil é signatário, como as convenções da Organização Internacional do Trabalho. Assim, seria de se esperar que os organismos de Estado fossem os primeiros a respeitar essa legislação e dar o exemplo de seu cumprimento à risca.
Não é isso o que ocorre com a indústria do Petróleo no Brasil, a despeito de ser essencialmente estatal. Plataformas de petróleo foram instaladas na Bacia de Campos e postas em operação sem que tenham havido as audiências públicas precedendo a concessão das Licenças de Operação, conforme previsto na Legislação. A Petrobrás descarta muitos efluentes sem o necessário enquadramento nos limites estabelecidos em resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente - Conama.
Assim, a impressão que fica é que, por conta dos impostos, royalties , empregos, etc que uma unidade da Petrobrás pode gerar para a localidade em que se instala e para o país, tacitamente os demais órgãos públicos não cobram dela o cumprimento da legislação na execução de seus projetos. E como a Petrobras não é cobrada, os seus gerentes pouco investem no sentido de fazer cumprir o que estabelece essa legislação.
Infelizmente, esta seqüência de falhas e omissões acabaria por levar a um grande acidente e tragédia ambiental nos últimos dois anos, agredindo o ecossistema de um dos principais pontos turísticos do planeta e a fonte de renda de milhares de famílias na Baia da Guanabara. Só a partir daí, do que a empresa chamou de fatalidade, é que a Petrobrás passou a anunciar um plano que, aparentemente, significa uma radical mudança de posição gerencial em relação a segurança no trabalho e ao meio ambiente.
Foi esse mesmo grande acidente que explicitou a conivência dos órgãos ambientais para com a agressão ao meio ambiente. No calor do debate, com a imprensa publicando tudo, multas foram aplicadas, reuniões com empresas poluidoras promovidas por órgãos ambientais, foram realizadas. Aparentemente as licenças de operação e a mudança de conduta passaram a ser cobradas.
Mas tudo isso demonstrou uma vez mais, que até então esses órgãos pareciam desconhecer que havia risco na indústria do Petróleo e que muitas unidades operavam sem licença ambiental. Explicitou também que até então esses órgãos pouco estavam cobrando em termos de atuação preventiva e de cumprimento da lei de outras indústrias agressivas situadas no entorno da Baia da Guanabara.
Lei e tecnologia apropriada existem e devem ser respeitadas
A indústria do petróleo sempre enfrentou, com sucesso, inúmeros desafios tecnológicos. E a Petrobrás, por exemplo, já conquistou dois prêmios internacionais pela liderança mundial da tecnologia de produção de petróleo em águas profundas. E os méritos destas conquistas cabem aos técnicos de seu Centro de Pesquisas e de seu Serviço de Engenharia e, também, tem que ser dito, ao corpo gerencial que desde a fundação da Petrobrás entendeu que uma empresa como esta precisaria de fortes investimentos financeiros e humanos no desenvolvimento tecnológico.
Por outro lado, inúmeros estudiosos do direito ambiental são categóricos ao afirmar que o Brasil possui uma das mais rigorosas legislações ambientais do mundo. Apesar dos vetos presidenciais, a Lei dos Crimes Ambientais e a Lei das Águas se constituem em modernos e eficientes instrumentos jurídicos para coibir a agressão ao meio ambiente. Existem, ainda, desde a década de 80, várias resoluções do Conama que, se aplicadas, evitariam inúmeras agressões ao meio ambiente que são praticadas com regularidade pela indústria do Petróleo. E o mérito desta legislação deve-se a atuação de organizações sociais e ambientalistas junto ao legislativo, mas também a todo o Poder Legislativo que já compreendeu a importância de se preservar o Meio Ambiente.
Se há capacidade tecnológica para resolver problemas e se há uma legislação no Brasil que permite coibir a agressão ao meio ambiente, só há uma explicação para a continuidade das agressões ambientais, praticada por este (bem como outros) ramos industriais no Brasil: o respeito e a preservação do meio ambiente, na realidade, ainda não são elementos decisivos na política de desenvolvimento das atividades econômicas no Brasil.
Novos padrões de desenvolvimento são necessários
Muito se tem falado, e escrito, sobre desenvolvimento autossustentado no Brasil e no Mundo. Parece que o conceito ainda não está devidamente internalizado pela opinião pública, pelas autoridades governamentais, e sobretudo pelos empreendedores.
Uma série de medidas podem e devem com urgência ser adotadas nas atividades industriais e, sobretudo, no padrão de consumo, com vistas a preservação das condições de vida em nosso planeta.
Quando se refere a indústria do Petróleo, é necessário sempre se enfatizar a necessidade de que cada governo tome medidas no sentido de incentivar meios de transportes de cargas e coletivos mais eficientes em termos de consumo de combustíveis. Assim, transportes por vias aquáticas devem ser priorizados, seguidos por ferrovias e por último em rodovias, em ordem de prioridade. Em termos de transporte de pessoas cabe aos Governos em todos seus níveis envidar esforços no sentido de aumentar cada vez mais a oferta de transportes de massas em melhores condições, capazes de estimular a redução do uso de veículos de transporte individual, mesmo para quem tem condições para bancar seus custos.
Afinal, os custos sociais deste uso recaem sempre sobre o conjunto da sociedade (construção e manutenção da malha viária; aumento de doenças respiratórias em decorrência da poluição atmosférica, tempo perdido em congestionamentos, estresse e violência no trânsito etc.).
Ainda em termos de utilização de energia no transporte, é necessário que todos os governos tomem iniciativas no sentido de subsidiar diretamente a pesquisa e uso de energias renováveis, ainda que seus custos diretos no momento sejam mais caros que os combustíveis derivados do petróleo. Os ganhos ambientais, com eliminação de custos indiretos, compensarão os diretos. Assim podemos listar:
· uso de energia eólica e solar inclusive para carregamento de baterias para uso automotivo;
· ampliação do uso do álcool combustível e de sua adição também ao diesel;
· o uso de óleos vegetais em substituição ao diesel;
· o uso de termelétricas a resíduos vegetais, a lixo, e com lenha de florestas artificiais;
· o uso de biodigestores como alternativa para tratamento de esgotos com uso energético do biogás gerado.
Dentre as medidas urgentes de preservação ambiental e promoção da segurança podemos destacar:
· É necessário que a legislação existente seja de fato cumprida por todos os empreendedores deste país. Neste sentido, deve-se de imediato exigir que todas as unidades industriais possuam licenças ambientais, com renovação periódica mediante inspeção, estendendo-se àquelas mais antigas, instaladas antes da existência da atual legislação;
· É preciso haver transparência para a sociedade sobre as condições operacionais e de risco de cada unidade. Assim, é necessário que a lei das auditorias ambientais sejam cumpridas, com a publicação dos respectivos relatórios;
· É preciso que sejam debatidos os termos de propostas de acordos de ajuste de condutas entre as empresas que apresentem situações de não conformidades ambientais com os Órgãos Ambientais, antes de suas respectivas assinaturas. Órgãos da sociedade civil, como Centrais Sindicais devem ser signatárias desses acordos.
· As CIPAS – Comissões Internas de Prevenção de Acidentes de Trabalho - necessitam ter a necessária autonomia e apoio da Petrobrás para poderem implementar programas de antecipação aos riscos, realizar regularmente os mapa de riscos, discutir o PCMSO e o PPRA previstos nas Normas Regulamentadoras No. 7 e No. 9, respectivamente e investigar os acidentes ocorridos, inclusive envolvendo os representantes das empresas contratadas onde houver em suas reuniões regulares e SIPATs – Semanas Internas de Prevenção de Acidentes de Trabalho;
· Por fim, é preciso que Sindicatos e Centrais Sindicais tenham assentos assegurados em Comissões de Investigação de Acidentes de Trabalho e Ambientais;
* Secretário Geral do Sindipetro-RJ e dirigente da FUP
Artigo apresentado no II Fórum Ambiental Pro-Rio, em 2001
Artigo apresentado no II Fórum Ambiental Pro-Rio, em 2001
Secretaria de Saúde, Tecnologia e Meio Ambiente do Sindipetro-RJ
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