Um dos filósofos mais inteligentes (e rabugentos) do século XX, o alemão Theodor Adorno, defende a teoria de que a astrologia seria uma forma de dominação social, aparentada ao nazismo. No livro As Estrelas Descem a Terra, da década de 50, ele tenta comprovar a tese, a partir de análises do horóscopo do jornal Los Angeles Times combinadas à conceitos de Freud.
Sob o signo do mau humor. Em obra dos anos 50 só agora lançada no Brasil, o filósofo alemão Theodor Adorno traça paralelos entre astronomia e fascismo. É um exemplo típico de seu pensamento muitas vezes brilhante – mas propenso a uma enorme rabugice
Que a astrologia é uma rematada bobagem é fato bem estabelecido. Não há fundamento para a crença pseudocientífica de que a mecânica celeste influencia a vida amorosa ou profissional do leitor de horóscopos. Para o filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969), contudo, o problema é mais sério: a astrologia seria uma forma de dominação social, aparentada ao totalitarismo de Hitler e Stalin. Adorno descobre um chamado ao conformismo nas colunas astrológicas – e, com recurso à psicanálise, tenta demonstrar que a atribuição do destino às estrelas guarda "disposições paranoicas" similares àquelas mobilizadas pelo nazismo. Esse desconcertante paralelo está desenvolvido em As Estrelas Descem a Terra (tradução de Pedro Rocha de Oliveira; 196 páginas; 32 reais), livro dos anos 50, parte de uma coleção da editora da Unesp que vai lançar obras do filósofo ainda não conhecidas no Brasil (na mesma série, já saiu uma Introdução à Sociologia). Não é o título mais representativo de Adorno, mas, pelo texto um pouco mais pedestre (nem por isso é leitura leve), pode ser uma porta de entrada para quem queira ter uma ideia do que seja a obra de um dos mais influentes (e mais rabugentos) filósofos do século XX. Sua análise da coluna astrológica do jornal Los Angeles Times é muitas vezes brilhante – mas há algo de abusivo no modo como ele recorre aos conceitos de Freud para indicar similaridades entre o mapa astral e a suástica.
Adorno foi o expoente da chamada Escola de Frankfurt, que também congregou pensadores como Herbert Marcuse e Max Horkheimer. Foram os proponentes da chamada "teoria crítica", que tentou entender o capitalismo e os totalitarismos como manifestações da mesma lógica histórica. Nas mãos de Adorno, a teoria crítica voltava-se contra a "razão burguesa", que em sua origem, no iluminismo, teria o potencial de libertar o homem de seus medos primitivos, mas acabou degenerando em técnicas de dominação social, que vão desde a organização burocrática até o cinema, a televisão – e o horóscopo. Adorno também cultivava sua macumba profana: o marxismo. Mas não foi dos mais ortodoxos. Em sua obra – hoje ainda influente entre filósofos e críticos literários de esquerda –, são escassas as referências ao proletariado. Esteta que admirava o modernismo de Beckett, Kafka e Proust, ele dificilmente teria o que conversar com um operário.
Além de excelente crítico literário, Adorno entendia muito de música – foi aluno do compositor Alban Berg e serviu como consultor musical para Thomas Mann quando este escreveu Doutor Fausto. Em Marx (e Hegel), Adorno buscou, sobretudo certo modo de argumentar – a famigerada dialética. Com um estilo tortuoso, mas elegante, os ensaios de Adorno não se importam de deixar contradições em aberto, para desespero do leitor cartesiano. Um bom exemplo é a afirmação pela qual ele é mais lembrado: a poesia não é possível depois de Auschwitz. A frase original, na verdade, é mais complicada: "Escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se tornou impossível escrever poemas". Não se depreende daí que Adorno estivesse propondo que os poetas se calassem. Eis a tal contradição dialética: a impossibilidade da poesia é o que a tornaria cada vez mais necessária.
Auschwitz é o emblema perfeito para o pensamento de Adorno, que lidou com o trauma profundo da experiência totalitária. De ascendência judaica, ele passou os anos do nazismo no exílio, primeiro na Inglaterra e depois nos Estados Unidos. Catastrofista identificava na democracia americana sintomas do totalitarismo que o expulsara da Europa. Nos Estados Unidos, escreveu, em parceria com Horkheimer, uma de suas obras mais influentes, Dialética do Esclarecimento – crítica de longo curso aos rumos da civilização capitalista. É nesse livro que aparece pela primeira vez o conceito de "indústria cultural", tão levianamente citado hoje. Adorno não gostava de cinema. E ficou conhecido por sua oposição ranzinza ao jazz. Por causa dela, foi acusado de racista – e respondeu com ironia típica: "Não tenho nenhum preconceito contra os negros, a não ser que nada, exceto a cor, os distingue dos brancos".
No fim da vida, Adorno viu-se sob o fogo pesado do movimento estudantil. Acossado por barulhentos protestos, teve de interromper um curso que dava em Frankfurt. Sempre reticente com os movimentos de massa, Adorno reclamava, em uma entrevista de 1969, do patrulhamento que sofrera então. "Jamais ofereci em meus escritos um modelo para quaisquer ações. Sou um homem teórico", disse. Uma lição que os acadêmicos de passeata do Brasil de hoje, prontos a largar os livros para invadir reitorias, poderiam aprender.
Trecho de As Estrelas Descem à Terra, de Theodor Adorno
A coluna de astrologia do Los Angeles Times
O presente estudo consiste em uma análise de conteúdo. Cerca de três meses da coluna diária "Previsões Astrológicas", escrita por Caroll Righter no Los Angeles Times, de novembro de 1952 até fevereiro de 1953, foram submetidos a interpretação. Como corolário, são feitas algumas observações a respeito de certas revistas astrológicas. A intenção é apresentar um quadro dos estímulos específicos que operam em seguidores da astrologia que hipoteticamente percebemos como representantes do grupo completo das pessoas envolvidas com o "ocultismo secundário", bem como dos efeitos supostos de tais estímulos. Assumimos que tais publicações, em alguma medida, modelam o pensamento de seus leitores; entretanto, elas também pretendem ajustar-se às suas necessidades, vontades, desejos e exigências de modo a "vender". Tomamos essa análise de conteúdo como um passo no sentido de estudar a mentalidade de grupos maiores de natureza semelhante.
Várias razões justificam a escolha desse material. Limitações no que diz respeito a instalações de pesquisa impediram um real trabalho de campo, e nos impeliram a uma concentração no material impresso, e não nas reações primárias. O material astrológico desse tipo mostrou-se muito abundante e de fácil acesso. Além disso, entre as várias escolas ocultistas, a astrologia provavelmente tem o maior número de seguidores na população. A astrologia por certo não é um dos ramos extremos do ocultismo, mas constrói fachadas de pseudo-racionalidade que a tornam mais fácil de aceitar do que, por exemplo, o espiritualismo. Não há aparição de fantasmas, e as previsões são pretensamente derivadas de fatos astronômicos. Assim, a astrologia pode não evidenciar mecanismos psicóticos tão claros quanto aquelas outras tendências mais obviamente lunáticas da superstição, o que pode dificultar nosso estudo no que diz respeito à compreensão das camadas inconscientes mais profundas do neo-ocultismo. Essa possível desvantagem, entretanto, é compensada pelo fato de que a astrologia se difundiu em amplos setores da população, de modo que as descobertas, à // medida que se mantiveram parcialmente confinadas ao nível do ego e a determinantes sociais, podem ser generalizadas com maior confiança. Além disso, do ponto de vista da psicologia social, estamos interessados justamente na pseudo-racionalidade, na zona de lusco-fusco entre a razão e os impulsos inconscientes.
Por ora, nosso estudo precisa limitar-se ao qualitativo. Ele representa uma tentativa de entender o que as publicações astrológicas significam em termos da reação dos leitores, tanto em um nível aparente e evidente como em um nível mais profundo. Embora essa análise seja guiada por conceitos psicanalíticos, deve-se apontar, desde o início, que nossa abordagem, ainda que envolva, sobretudo atitudes e ações sociais, precisa considerar fases conscientes ou semiconscientes. Não seria apropriado pensar exclusivamente em termos do inconsciente, dado que os próprios estímulos são calculados conscientemente e institucionalizados a tal ponto que seu poder de alcançar diretamente o inconsciente não pode ser visto como absoluto. Além disso, questões de interesse pessoal egoísta entram em jogo de modo contínuo e aberto. Com frequência, objetivos superficiais estão mesclados a gratificações substitutivas do inconsciente.
De fato, o conceito de inconsciente não pode ser postulado dogmaticamente em qualquer estudo que diga respeito à área limítrofe dos determinantes psicológicos e das atitudes sociais. Em todo o campo das comunicações de massa, o "significado oculto" não é de modo algum inconsciente, mas representa uma camada que não é admitida nem é reprimida - a esfera da insinuação, da piscadela de olho, do "você sabe do que estou falando". Frequentemente, deparamos com um tipo de "imitação" do inconsciente na manutenção de certos tabus que, entretanto, não são inteiramente endossados. Até agora, nenhuma luz foi lançada sobre essa zona psicológica obscura, e nosso estudo deveria, entre outras coisas, contribuir para seu entendimento. É desnecessário dizer que a base última dessa zona precisa ser buscada no verdadeiramente inconsciente, mas seria uma falácia perigosa considerar o lusco-fusco psicológico de numerosas reações de massa como manifestações diretas dos instintos.
No que se refere à eficácia para a mentalidade do leitor real, // nossos resultados devem necessariamente ser vistos como provisórios. São apresentadas formulações cuja validade só pode ser estabelecida pesquisando-se os próprios leitores - o que deveria ser feito. Podemos esperar que os autores do nosso material soubessem o que estão fazendo e com quem estão falando, embora possam se basear em uma imagem de seus leitores formada por palpites e suposições estereotipadas, que talvez não fosse passível de confirmação pelos fatos. Além do mais, não deve haver dúvida de que em qualquer meio de comunicação de massa moderno é alimentada a ideia artificial de que, para moldar o material de comunicação de uma forma adequada à mentalidade daqueles responsáveis pela produção, ou aos seus desígnios, é necessário atender aos gostos de algum grupo. Encontra-se muito difundido o padrão ideológico que consiste em transferir a responsabilidade dos manipuladores para os manipulados. Assim, precisamos agir com cautela de modo a não tratar nosso material de forma dogmática, como uma reflexão espelhada da mente do leitor.
Por outro lado, tampouco tentamos fazer inferências por meio de nossa análise da mentalidade das pessoas responsáveis pelas publicações a serem examinadas, particularmente dos autores. Não nos parece que um estudo desse tipo nos levaria muito longe. Mesmo na esfera da arte, a ideia da projeção tem sido bastante supervalorizada. Embora as motivações do autor certamente estejam presentes no produto final, de forma alguma são tão determinantes como se costuma imaginar. Quando um artista se propõe um problema, este mobiliza uma força específica, mas, na maioria dos casos, ao traduzir sua concepção primária em realidade artística, o artista tem que seguir muito mais as exigências objetivas do produto do que sua própria ânsia de expressão. Certamente, tais exigências objetivas desempenham um papel decisivo nos meios de comunicação de massa, que dão mais ênfase ao efeito sobre o consumidor do que a qualquer problema artístico ou intelectual. Entretanto, a situação total aqui tende a limitar enormemente as chances de projeção. Aqueles que produzem o material seguem inumeráveis procedimentos, regras, padrões de comportamento e mecanismos de controle que necessariamente reduzem a um mínimo a possibilidade de qualquer tipo de expressão pessoal.
Certamente, as motivações do autor são apenas uma das fontes. Os padrões de comportamento a serem seguidos parecem ser muito mais // importantes. Ainda que seja difícil determinar a fonte particular de um produto como a coluna do Los Angeles Times, o material, devido ao seu caráter altamente integrado, fala uma linguagem própria que pode ser lida e entendida mesmo que não saibamos muito a respeito dos processos que levaram à sua formulação e a imbuíram de significado. Deve-se frisar que o entendimento de tal linguagem não pode ficar confinado aos seus morfemas individuais, mas deve permanecer sempre consciente do padrão total que esses morfemas vão formando ao se combinarem de forma mais ou menos mecânica. Alguns artifícios particulares que vez por outra se fazem presentes em nosso material, tais como, por exemplo, referências frequentes ao contexto familiar de uma pessoa nascida em um determinado dia, podem parecer completamente triviais e inofensivos se vistos isoladamente, mas, na unidade funcional do todo, podem obter um significado que vai muito além da idéia inofensiva e reconfortante que se oferece à primeira vista.
Sob o signo do mau humor. Em obra dos anos 50 só agora lançada no Brasil, o filósofo alemão Theodor Adorno traça paralelos entre astronomia e fascismo. É um exemplo típico de seu pensamento muitas vezes brilhante – mas propenso a uma enorme rabugice
Que a astrologia é uma rematada bobagem é fato bem estabelecido. Não há fundamento para a crença pseudocientífica de que a mecânica celeste influencia a vida amorosa ou profissional do leitor de horóscopos. Para o filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969), contudo, o problema é mais sério: a astrologia seria uma forma de dominação social, aparentada ao totalitarismo de Hitler e Stalin. Adorno descobre um chamado ao conformismo nas colunas astrológicas – e, com recurso à psicanálise, tenta demonstrar que a atribuição do destino às estrelas guarda "disposições paranoicas" similares àquelas mobilizadas pelo nazismo. Esse desconcertante paralelo está desenvolvido em As Estrelas Descem a Terra (tradução de Pedro Rocha de Oliveira; 196 páginas; 32 reais), livro dos anos 50, parte de uma coleção da editora da Unesp que vai lançar obras do filósofo ainda não conhecidas no Brasil (na mesma série, já saiu uma Introdução à Sociologia). Não é o título mais representativo de Adorno, mas, pelo texto um pouco mais pedestre (nem por isso é leitura leve), pode ser uma porta de entrada para quem queira ter uma ideia do que seja a obra de um dos mais influentes (e mais rabugentos) filósofos do século XX. Sua análise da coluna astrológica do jornal Los Angeles Times é muitas vezes brilhante – mas há algo de abusivo no modo como ele recorre aos conceitos de Freud para indicar similaridades entre o mapa astral e a suástica.
Adorno foi o expoente da chamada Escola de Frankfurt, que também congregou pensadores como Herbert Marcuse e Max Horkheimer. Foram os proponentes da chamada "teoria crítica", que tentou entender o capitalismo e os totalitarismos como manifestações da mesma lógica histórica. Nas mãos de Adorno, a teoria crítica voltava-se contra a "razão burguesa", que em sua origem, no iluminismo, teria o potencial de libertar o homem de seus medos primitivos, mas acabou degenerando em técnicas de dominação social, que vão desde a organização burocrática até o cinema, a televisão – e o horóscopo. Adorno também cultivava sua macumba profana: o marxismo. Mas não foi dos mais ortodoxos. Em sua obra – hoje ainda influente entre filósofos e críticos literários de esquerda –, são escassas as referências ao proletariado. Esteta que admirava o modernismo de Beckett, Kafka e Proust, ele dificilmente teria o que conversar com um operário.
Além de excelente crítico literário, Adorno entendia muito de música – foi aluno do compositor Alban Berg e serviu como consultor musical para Thomas Mann quando este escreveu Doutor Fausto. Em Marx (e Hegel), Adorno buscou, sobretudo certo modo de argumentar – a famigerada dialética. Com um estilo tortuoso, mas elegante, os ensaios de Adorno não se importam de deixar contradições em aberto, para desespero do leitor cartesiano. Um bom exemplo é a afirmação pela qual ele é mais lembrado: a poesia não é possível depois de Auschwitz. A frase original, na verdade, é mais complicada: "Escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se tornou impossível escrever poemas". Não se depreende daí que Adorno estivesse propondo que os poetas se calassem. Eis a tal contradição dialética: a impossibilidade da poesia é o que a tornaria cada vez mais necessária.
Auschwitz é o emblema perfeito para o pensamento de Adorno, que lidou com o trauma profundo da experiência totalitária. De ascendência judaica, ele passou os anos do nazismo no exílio, primeiro na Inglaterra e depois nos Estados Unidos. Catastrofista identificava na democracia americana sintomas do totalitarismo que o expulsara da Europa. Nos Estados Unidos, escreveu, em parceria com Horkheimer, uma de suas obras mais influentes, Dialética do Esclarecimento – crítica de longo curso aos rumos da civilização capitalista. É nesse livro que aparece pela primeira vez o conceito de "indústria cultural", tão levianamente citado hoje. Adorno não gostava de cinema. E ficou conhecido por sua oposição ranzinza ao jazz. Por causa dela, foi acusado de racista – e respondeu com ironia típica: "Não tenho nenhum preconceito contra os negros, a não ser que nada, exceto a cor, os distingue dos brancos".
No fim da vida, Adorno viu-se sob o fogo pesado do movimento estudantil. Acossado por barulhentos protestos, teve de interromper um curso que dava em Frankfurt. Sempre reticente com os movimentos de massa, Adorno reclamava, em uma entrevista de 1969, do patrulhamento que sofrera então. "Jamais ofereci em meus escritos um modelo para quaisquer ações. Sou um homem teórico", disse. Uma lição que os acadêmicos de passeata do Brasil de hoje, prontos a largar os livros para invadir reitorias, poderiam aprender.
Trecho de As Estrelas Descem à Terra, de Theodor Adorno
A coluna de astrologia do Los Angeles Times
O presente estudo consiste em uma análise de conteúdo. Cerca de três meses da coluna diária "Previsões Astrológicas", escrita por Caroll Righter no Los Angeles Times, de novembro de 1952 até fevereiro de 1953, foram submetidos a interpretação. Como corolário, são feitas algumas observações a respeito de certas revistas astrológicas. A intenção é apresentar um quadro dos estímulos específicos que operam em seguidores da astrologia que hipoteticamente percebemos como representantes do grupo completo das pessoas envolvidas com o "ocultismo secundário", bem como dos efeitos supostos de tais estímulos. Assumimos que tais publicações, em alguma medida, modelam o pensamento de seus leitores; entretanto, elas também pretendem ajustar-se às suas necessidades, vontades, desejos e exigências de modo a "vender". Tomamos essa análise de conteúdo como um passo no sentido de estudar a mentalidade de grupos maiores de natureza semelhante.
Várias razões justificam a escolha desse material. Limitações no que diz respeito a instalações de pesquisa impediram um real trabalho de campo, e nos impeliram a uma concentração no material impresso, e não nas reações primárias. O material astrológico desse tipo mostrou-se muito abundante e de fácil acesso. Além disso, entre as várias escolas ocultistas, a astrologia provavelmente tem o maior número de seguidores na população. A astrologia por certo não é um dos ramos extremos do ocultismo, mas constrói fachadas de pseudo-racionalidade que a tornam mais fácil de aceitar do que, por exemplo, o espiritualismo. Não há aparição de fantasmas, e as previsões são pretensamente derivadas de fatos astronômicos. Assim, a astrologia pode não evidenciar mecanismos psicóticos tão claros quanto aquelas outras tendências mais obviamente lunáticas da superstição, o que pode dificultar nosso estudo no que diz respeito à compreensão das camadas inconscientes mais profundas do neo-ocultismo. Essa possível desvantagem, entretanto, é compensada pelo fato de que a astrologia se difundiu em amplos setores da população, de modo que as descobertas, à // medida que se mantiveram parcialmente confinadas ao nível do ego e a determinantes sociais, podem ser generalizadas com maior confiança. Além disso, do ponto de vista da psicologia social, estamos interessados justamente na pseudo-racionalidade, na zona de lusco-fusco entre a razão e os impulsos inconscientes.
Por ora, nosso estudo precisa limitar-se ao qualitativo. Ele representa uma tentativa de entender o que as publicações astrológicas significam em termos da reação dos leitores, tanto em um nível aparente e evidente como em um nível mais profundo. Embora essa análise seja guiada por conceitos psicanalíticos, deve-se apontar, desde o início, que nossa abordagem, ainda que envolva, sobretudo atitudes e ações sociais, precisa considerar fases conscientes ou semiconscientes. Não seria apropriado pensar exclusivamente em termos do inconsciente, dado que os próprios estímulos são calculados conscientemente e institucionalizados a tal ponto que seu poder de alcançar diretamente o inconsciente não pode ser visto como absoluto. Além disso, questões de interesse pessoal egoísta entram em jogo de modo contínuo e aberto. Com frequência, objetivos superficiais estão mesclados a gratificações substitutivas do inconsciente.
De fato, o conceito de inconsciente não pode ser postulado dogmaticamente em qualquer estudo que diga respeito à área limítrofe dos determinantes psicológicos e das atitudes sociais. Em todo o campo das comunicações de massa, o "significado oculto" não é de modo algum inconsciente, mas representa uma camada que não é admitida nem é reprimida - a esfera da insinuação, da piscadela de olho, do "você sabe do que estou falando". Frequentemente, deparamos com um tipo de "imitação" do inconsciente na manutenção de certos tabus que, entretanto, não são inteiramente endossados. Até agora, nenhuma luz foi lançada sobre essa zona psicológica obscura, e nosso estudo deveria, entre outras coisas, contribuir para seu entendimento. É desnecessário dizer que a base última dessa zona precisa ser buscada no verdadeiramente inconsciente, mas seria uma falácia perigosa considerar o lusco-fusco psicológico de numerosas reações de massa como manifestações diretas dos instintos.
No que se refere à eficácia para a mentalidade do leitor real, // nossos resultados devem necessariamente ser vistos como provisórios. São apresentadas formulações cuja validade só pode ser estabelecida pesquisando-se os próprios leitores - o que deveria ser feito. Podemos esperar que os autores do nosso material soubessem o que estão fazendo e com quem estão falando, embora possam se basear em uma imagem de seus leitores formada por palpites e suposições estereotipadas, que talvez não fosse passível de confirmação pelos fatos. Além do mais, não deve haver dúvida de que em qualquer meio de comunicação de massa moderno é alimentada a ideia artificial de que, para moldar o material de comunicação de uma forma adequada à mentalidade daqueles responsáveis pela produção, ou aos seus desígnios, é necessário atender aos gostos de algum grupo. Encontra-se muito difundido o padrão ideológico que consiste em transferir a responsabilidade dos manipuladores para os manipulados. Assim, precisamos agir com cautela de modo a não tratar nosso material de forma dogmática, como uma reflexão espelhada da mente do leitor.
Por outro lado, tampouco tentamos fazer inferências por meio de nossa análise da mentalidade das pessoas responsáveis pelas publicações a serem examinadas, particularmente dos autores. Não nos parece que um estudo desse tipo nos levaria muito longe. Mesmo na esfera da arte, a ideia da projeção tem sido bastante supervalorizada. Embora as motivações do autor certamente estejam presentes no produto final, de forma alguma são tão determinantes como se costuma imaginar. Quando um artista se propõe um problema, este mobiliza uma força específica, mas, na maioria dos casos, ao traduzir sua concepção primária em realidade artística, o artista tem que seguir muito mais as exigências objetivas do produto do que sua própria ânsia de expressão. Certamente, tais exigências objetivas desempenham um papel decisivo nos meios de comunicação de massa, que dão mais ênfase ao efeito sobre o consumidor do que a qualquer problema artístico ou intelectual. Entretanto, a situação total aqui tende a limitar enormemente as chances de projeção. Aqueles que produzem o material seguem inumeráveis procedimentos, regras, padrões de comportamento e mecanismos de controle que necessariamente reduzem a um mínimo a possibilidade de qualquer tipo de expressão pessoal.
Certamente, as motivações do autor são apenas uma das fontes. Os padrões de comportamento a serem seguidos parecem ser muito mais // importantes. Ainda que seja difícil determinar a fonte particular de um produto como a coluna do Los Angeles Times, o material, devido ao seu caráter altamente integrado, fala uma linguagem própria que pode ser lida e entendida mesmo que não saibamos muito a respeito dos processos que levaram à sua formulação e a imbuíram de significado. Deve-se frisar que o entendimento de tal linguagem não pode ficar confinado aos seus morfemas individuais, mas deve permanecer sempre consciente do padrão total que esses morfemas vão formando ao se combinarem de forma mais ou menos mecânica. Alguns artifícios particulares que vez por outra se fazem presentes em nosso material, tais como, por exemplo, referências frequentes ao contexto familiar de uma pessoa nascida em um determinado dia, podem parecer completamente triviais e inofensivos se vistos isoladamente, mas, na unidade funcional do todo, podem obter um significado que vai muito além da idéia inofensiva e reconfortante que se oferece à primeira vista.
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