Texto extraído do livro BRASIL: UMA HISTÓRIA cinco séculos de um país em construção de Eduardo Bueno. Edição 2010; página 64, editora LEYA.
Eles eram os piratas do sertão. Perambulavam pelos atalhos, pelos planaltos e pelas planícies armados até os dentes, com seus sons de guerra e suas bandeiras desfraldadas. Eram grupos paramilitares rasgando a mata e caçando homens — para além da lei e das fronteiras; para aquém da ética. À sua passagem, restava apenas um rastro de aldeias e vilas devastadas; velhos, mulheres e crianças passados a fio de espada; altares profanados, sangue, lágrimas e chamas. Incendiados pela ganância e em nome do avanço da civilização, escravizaram indígenas aos milhares. Alguns historiadores paulistas os definiram como uma “raça de gigantes” —, e não restam dúvidas de que eles foram sujeitos intrépidos e indomáveis. São tidos como os principais responsáveis pela expansão lerritorial do Brasil — e com certeza o foram. Embora tenham sido heróis brasileiros, tornaram-se também os maiores criminosos de seu tempo.
Em apenas três décadas — as primeiras do século XVII —, os bandeirantes e seus mamelucos podem ter matado ou escravizado cerca de 500 mil índios, destruindo mais de cinquenta reduções jesuíticas nas regiões do Guaíra, do Itatim e do Tape. Desafiaram as leis e os reis de Portugal e da Espanha. Blasfemaram contra Roma, foram excomungados pelo papa. Ainda assim, ignoraram as ameaças e só foram contidos pela força das armas. Transformaram sua capital, São Paulo, num dos maiores centros do escravismo indígena de todo o continente. Mais: por um tempo, fizeram dela cidade sem lei — reino de terror, ganância e miséria. E também o polo a partir do qual todo o sul do Brasil pôde, enfim, crescer, desenvolver-se e se endinheirar.
Por que justamente São Paulo? Porque a cidade fundada pelos jesuítas estava no centro das rotas para o sertão, porque os Carijó do litoral e os Guarani do Paraguai estavam próximos e eram presa fácil e, acima de tudo, porque São Paulo nascera pobre. “Buscar o remédio para sua pobreza”
— assim os paulistas explicavam o motivo que os impelia aos rigores do sertão em busca de “peças.” Nos anos 1920, dois devotados historiadores, Afonso Taunay e Alfredo Ellis Jr., começaram a forjar o mito bandeirante. Os documentos que acharam e publicaram revelam uma saga de horrores. Ainda assim, Taunay e Ellis Jr. preferiram fabricar a imagem do bandeirante altivo e galhardo, como se esses caçadores de homens fossem os “Três Mosqueteiros”. Mas ambos sabiam que muitos dos bandeirantes andavam descalços, mal falavam português e estavam treinados para escravizar e matar.
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