Eça de Queirós
Este último romance de Eça de Queirós foi publicado em 1901, um ano após sua morte. Retirado do conto Civilização, tem sido considerado, junto com as obras "A Ilustre Casa de Ramires" e "Correspondência de Fradique Mendes", uma trilogia, cujo ponto comum é a crítica ao ambiente social e urbano de Portugal.
Como o próprio nome da obra revela (a cidade se opõe ao campo), pretende criticar o progresso técnico, urgente e rápido, na virada do século 19 para o 20. Eça de Queirós julgava, ao fim da vida, que o homem só era feliz longe da civilização. Por isso, a temática mais forte da obra é contra a ociosidade dos que têm dinheiro na cidade, e sua vida burguesa, ou seja, o acúmulo irrefletido de dinheiro.
Um interessante foco narrativo
Dizem os críticos que neste romance Eça aproveita para fazer seus personagens "olharem" as imagens que ele mesmo via quando criança. É um bucolismo romântico que volta e contamina seu romance. Na verdade, porém, quem conta a história e as aventuras por que passa o personagem principal (Jacinto Galião), é um amigo seu, José Fernandes, que também está na história, mas sente-se menos ilustre que Jacinto, herdeiro rico e personagem central de crítica de Eça de Queirós à riqueza. O romance começa assim: "O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival".
Esse foco narrativo (ou seja, essa maneira de contar a história) tem um nome técnico, "eu-como-testemunha", e é muito apropriado para obras que desejam ser crítica, pois o personagem-narrador acompanhará o protagonista em suas aventuras; e, como contará a história tempos depois, pode ser bem crítico e analisar melhor o que aconteceu. No caso, o apego de Fernandes ao protagonista tem ainda outra razão: este narrador quer entender o que faz um homem rico (nascido em Paris!) trocar tudo pelo campo, no interior de Portugal.
Vida fácil no campo
Embora muito inteligente e capaz Jacinto vive do dinheiro herdado da família. Desde pequeno tudo dava certo em sua vida. Já adulto elegante e culto, parece achar que os males humanos seriam curados com a volta das pessoas à vida no campo. É muito fácil pensar assim, quando, tendo muito dinheiro, não precisamos plantar nem colher nem viver as privações do trabalho agrícola. Há, portanto, uma moralidade muito simplificada nesta obra, que faz com que os críticos julguem o personagem um pouco tolo e Eça de Queirós um tanto superficial.
De início, a maior preocupação de Jacinto era defender o progresso, a civilização e a cidade grande. Achava ele que ser civilizado é enxergar adiante, ver o futuro. José Fernandes (narrador e seu amigo) fica espantado quando reencontra Jacinto em Paris, em sua mansão na Avenida Campos Elísios, número 202. Há todo o tipo de modernidade e luxo, além de uma biblioteca com milhares de títulos dos principais escritores e cientistas do mundo.
Convidado por Jacinto a morar em Paris, o narrador percebe (e nos conta) que Jacinto vai-se decepcionando com a superficialidade das pessoas com quem convive. Ele passa a conviver mal com o barulho futurista da cidade, com o movimento e burburinho das pessoas em festas e reuniões e com a tecnologia, que sempre o deixa na mão.
A ida para o campo
Os incidentes da vida moderna criavam, na verdade, tédio em Jacinto. Seu criado fiel, Grilo, conta ao narrador que o mal de seu patrão "era fartura". "O meu Príncipe sente abafadamente a fartura de Paris...", diz ele. Jacinto, numa mudança existencial, passou a achar que Paris era uma ilusão, tudo era abafado e não havia grandeza na cidade: comerciantes, cortesãs, famílias desagregadas era a única realidade. Começa a filosofar, e o narrador nos conta o que ele dizia: "o burguês triunfa, muito forte, todo endurecido no pecado - e contra ele são impotentes os prantos dos humanitários..."
Um dia Jacinto decide: mudará para Tormes, sua propriedade rural, onde seus avós estavam enterrados. Ambos os amigos partem então de Paris para as serras. Nosso narrador ainda diz que Jacinto afirmava que "encontrariam o 202 no interior", contando, é claro, com o conforto daquela propriedade, um castelo.
As coisas não dão tão certo: o advogado do milionário não o esperava tão cedo, as malas todas da viagem ficaram perdidas e os dois amigos ficaram a pé para atravessar a serra. Pior: ninguém sabia na casa que eles viriam, por isso não havia conforto, nada estava preparado.
O milagre da comida caseira
Irritado, pois, afinal, não sabia viver sem conforto, Jacinto afirmou que iria a Lisboa. Mas Melchior, o caseiro, arranjou-lhes uma comida simples, sem taças de cristal nem porcelana. Começa a mudança do protagonista: "Diante do louro frango assado no espeto e da salada (...) a que apetecera na horta, agora temperada com um azeite da serra digno dos lábios de Platão, terminou por bradar: 'É divino'“.
Apaixonado pela nova vida, o dono da mansão do "202" em Paris ficará em Tormes, mesmo sozinho, pois seu amigo, o narrador, havia partido para outra cidade. Intrigado com essa espantosa decisão do amigo, José Fernandes volta a visitá-lo e o encontra forte, corado, "parecia um camponês".
O campo muda o homem
Conhecendo a pobreza que há nos campos, Jacinto começa a cuidar dos humildes. Queria fazer benfeitorias, ou seja, trazer certa "civilização" ao interior de Portugal. Numa das festas desse mundo interiorano, conheceremos também a ignorância e o atraso em que viviam os camponeses. Havia (nos conta o narrador) uma "mentalidade política atrasada, absolutista", enquanto nas cidades havia novas doutrinas e teorias (como o positivismo, praticado por ambos, Jacinto e José Fernandes).
Numa das visitas à família do amigo, Jacinto conhecerá a prima de Fernandes, Joaninha, uma camponesa típica. Apaixonado, o rico rapaz acaba casando-se com ela, tem dois filhos sadios e alegres. Depois de cinco anos de felicidade, o dilema existencial entre a "cidade e as serras" se resolverá, finalmente, pois chegarão à fazenda os caixotes antes embarcados em Paris e perdidos há anos. Jacinto aproveitará muito pouco do que há de "civilização" nas malas.
E o narrador, depois de passar mais algum tempo em Paris, volta ao campo, para sempre, convencido de que Jacinto estava certo: era bem melhor a vida no campo.
O livro termina desta forma: "E na verdade me parecia que, por aqueles caminhos, através da natureza campestre e mansa - o meu Príncipe (..), a minha prima Joaninha (...) e eu (...), tão longe de amarguradas ilusões e de falsas delícias (...), seguramente subíamos para o Castelo da Grã-Ventura.".
Este último romance de Eça de Queirós foi publicado em 1901, um ano após sua morte. Retirado do conto Civilização, tem sido considerado, junto com as obras "A Ilustre Casa de Ramires" e "Correspondência de Fradique Mendes", uma trilogia, cujo ponto comum é a crítica ao ambiente social e urbano de Portugal.
Como o próprio nome da obra revela (a cidade se opõe ao campo), pretende criticar o progresso técnico, urgente e rápido, na virada do século 19 para o 20. Eça de Queirós julgava, ao fim da vida, que o homem só era feliz longe da civilização. Por isso, a temática mais forte da obra é contra a ociosidade dos que têm dinheiro na cidade, e sua vida burguesa, ou seja, o acúmulo irrefletido de dinheiro.
Um interessante foco narrativo
Dizem os críticos que neste romance Eça aproveita para fazer seus personagens "olharem" as imagens que ele mesmo via quando criança. É um bucolismo romântico que volta e contamina seu romance. Na verdade, porém, quem conta a história e as aventuras por que passa o personagem principal (Jacinto Galião), é um amigo seu, José Fernandes, que também está na história, mas sente-se menos ilustre que Jacinto, herdeiro rico e personagem central de crítica de Eça de Queirós à riqueza. O romance começa assim: "O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival".
Esse foco narrativo (ou seja, essa maneira de contar a história) tem um nome técnico, "eu-como-testemunha", e é muito apropriado para obras que desejam ser crítica, pois o personagem-narrador acompanhará o protagonista em suas aventuras; e, como contará a história tempos depois, pode ser bem crítico e analisar melhor o que aconteceu. No caso, o apego de Fernandes ao protagonista tem ainda outra razão: este narrador quer entender o que faz um homem rico (nascido em Paris!) trocar tudo pelo campo, no interior de Portugal.
Vida fácil no campo
Embora muito inteligente e capaz Jacinto vive do dinheiro herdado da família. Desde pequeno tudo dava certo em sua vida. Já adulto elegante e culto, parece achar que os males humanos seriam curados com a volta das pessoas à vida no campo. É muito fácil pensar assim, quando, tendo muito dinheiro, não precisamos plantar nem colher nem viver as privações do trabalho agrícola. Há, portanto, uma moralidade muito simplificada nesta obra, que faz com que os críticos julguem o personagem um pouco tolo e Eça de Queirós um tanto superficial.
De início, a maior preocupação de Jacinto era defender o progresso, a civilização e a cidade grande. Achava ele que ser civilizado é enxergar adiante, ver o futuro. José Fernandes (narrador e seu amigo) fica espantado quando reencontra Jacinto em Paris, em sua mansão na Avenida Campos Elísios, número 202. Há todo o tipo de modernidade e luxo, além de uma biblioteca com milhares de títulos dos principais escritores e cientistas do mundo.
Convidado por Jacinto a morar em Paris, o narrador percebe (e nos conta) que Jacinto vai-se decepcionando com a superficialidade das pessoas com quem convive. Ele passa a conviver mal com o barulho futurista da cidade, com o movimento e burburinho das pessoas em festas e reuniões e com a tecnologia, que sempre o deixa na mão.
A ida para o campo
Os incidentes da vida moderna criavam, na verdade, tédio em Jacinto. Seu criado fiel, Grilo, conta ao narrador que o mal de seu patrão "era fartura". "O meu Príncipe sente abafadamente a fartura de Paris...", diz ele. Jacinto, numa mudança existencial, passou a achar que Paris era uma ilusão, tudo era abafado e não havia grandeza na cidade: comerciantes, cortesãs, famílias desagregadas era a única realidade. Começa a filosofar, e o narrador nos conta o que ele dizia: "o burguês triunfa, muito forte, todo endurecido no pecado - e contra ele são impotentes os prantos dos humanitários..."
Um dia Jacinto decide: mudará para Tormes, sua propriedade rural, onde seus avós estavam enterrados. Ambos os amigos partem então de Paris para as serras. Nosso narrador ainda diz que Jacinto afirmava que "encontrariam o 202 no interior", contando, é claro, com o conforto daquela propriedade, um castelo.
As coisas não dão tão certo: o advogado do milionário não o esperava tão cedo, as malas todas da viagem ficaram perdidas e os dois amigos ficaram a pé para atravessar a serra. Pior: ninguém sabia na casa que eles viriam, por isso não havia conforto, nada estava preparado.
O milagre da comida caseira
Irritado, pois, afinal, não sabia viver sem conforto, Jacinto afirmou que iria a Lisboa. Mas Melchior, o caseiro, arranjou-lhes uma comida simples, sem taças de cristal nem porcelana. Começa a mudança do protagonista: "Diante do louro frango assado no espeto e da salada (...) a que apetecera na horta, agora temperada com um azeite da serra digno dos lábios de Platão, terminou por bradar: 'É divino'“.
Apaixonado pela nova vida, o dono da mansão do "202" em Paris ficará em Tormes, mesmo sozinho, pois seu amigo, o narrador, havia partido para outra cidade. Intrigado com essa espantosa decisão do amigo, José Fernandes volta a visitá-lo e o encontra forte, corado, "parecia um camponês".
O campo muda o homem
Conhecendo a pobreza que há nos campos, Jacinto começa a cuidar dos humildes. Queria fazer benfeitorias, ou seja, trazer certa "civilização" ao interior de Portugal. Numa das festas desse mundo interiorano, conheceremos também a ignorância e o atraso em que viviam os camponeses. Havia (nos conta o narrador) uma "mentalidade política atrasada, absolutista", enquanto nas cidades havia novas doutrinas e teorias (como o positivismo, praticado por ambos, Jacinto e José Fernandes).
Numa das visitas à família do amigo, Jacinto conhecerá a prima de Fernandes, Joaninha, uma camponesa típica. Apaixonado, o rico rapaz acaba casando-se com ela, tem dois filhos sadios e alegres. Depois de cinco anos de felicidade, o dilema existencial entre a "cidade e as serras" se resolverá, finalmente, pois chegarão à fazenda os caixotes antes embarcados em Paris e perdidos há anos. Jacinto aproveitará muito pouco do que há de "civilização" nas malas.
E o narrador, depois de passar mais algum tempo em Paris, volta ao campo, para sempre, convencido de que Jacinto estava certo: era bem melhor a vida no campo.
O livro termina desta forma: "E na verdade me parecia que, por aqueles caminhos, através da natureza campestre e mansa - o meu Príncipe (..), a minha prima Joaninha (...) e eu (...), tão longe de amarguradas ilusões e de falsas delícias (...), seguramente subíamos para o Castelo da Grã-Ventura.".
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos o seu comentário...