Texto extraído do livro BRASIL: UMA HISTÓRIA cinco séculos de um país em construção de Eduardo Bueno. Edição 2010 página 51, editora LEYA.
Em 1568, aos quase 70 anos de idade e há uma década como governador-geral do Brasil, Mem de Sá escreveu para o Portugal, Dom Sebastião (segundo monarca ao qual servia, sem contar dois rejentes). Na carta, ele disse: “Peço a Vossa Alteza que em paga de meus serviços me mande ir para o reino, e mande vir outro governador, porque afianço a Vossa Alteza não sou para esta terra. Eu nela gasto muito mais do que tenho de ordenado, e não parece justo que, por servir bem, a paga seja terem me degredado em terra de que tão pouco fundamento fazem. Quanto tenho feito em todo o tempo que estou no Brasil desfaz um filho da terra em uma hora”.
Em dez anos, Mem de Sá fizera muito pelo Brasil — e também tirara muito dele. Cuidadosamente escolhido pelo rei D. João III, de quem era amigo — para substituir o desastrado Duarte da Costa —, o fidalgo, membro do Conselho Real e desembargador Mem de Sá desembarcara 28 de dezembro de 1537 numa colônia conflagada, à beira da guerra civil e da invasão. Experimentado nas artes da guerra da paz, letrado, corajoso e cruel, Mem de Sá aplicou de imediato unia política de ferro e fogo, exterminando milhares de indígenas, dizimando centenas de aldeias, combatendo os franceses onde quer que os encontrasse e submetendo os colonos portugueses aos rigores da lei e da ordem. Jurista calejado, solucionou inúmeras pendengas entre colonos, proibiu o jogo, a vadiagem e a embriaguez, instalou vários engenhos e botou outros para funcionar. Criou uma legislação protetora dos índios cristianizados e estimulou o início do tráfico de escravos africanos.
Ao mesmo tempo, amealhou a maior fortuna pessoal do Brasil, em razão do próprio tráfico de escravos, de suas fazendas de gado, de seus engenhos de açúcar e da exportação de pau-brasil. Mem de Sá ganhou muito, mas por um preço terrivelmente alto. Numa expedição enviada ao Espírito Santo, em abril de 1558, para combater os Aimoré, foi morto seu filho Fernão. Nove anos mais tarde, também vítima de uma flecha, morreria o sobrinho Estácio de Sá, na luta contra franceses e Tamoio pela conquista do Rio de Janeiro. A filha de 12 anos, Beatriz, e a mulher, Guiomar, estavam mortas. É compreensível, portanto, que, em 1569, após redigir seu testamento, Mem de Sá enviasse nova carta ao rei se lamuriando: “Sou um homem só”.
Em 6 de fevereiro de 1570, o jovem rei D. Sebastião enfim nomeou um novo governador-geral para o Brasil. Mas a frota que trazia D. Luís Fernandes de Vasconcelos foi atacada e destruída pelos franceses. Assim, Mem de Sá viu-se forçado a permanecer no cargo e no Brasil — onde temia acabar enterrado. Seu pior pesadelo se concretizou: em 2 de março de 1572, num domingo, às 10 horas da manhã, Mem de Sá, há quinze anos o homem-forte do Brasil, morria cm Salvador, fatigado e esquecido pela Corte. Sua vida inspiraria o poema épico de dois mil versos escrito por José de Anchieta, no qual o jesuíta achou louvável cantar os “gestos heroicos do Chefe/ à frente dos soldados, na imensa mata/ cento e sessenta as aldeias incendiadas/ mil casas arruinadas pela chama devoradora/ assolados os campos/ passado tudo afio de espada”.
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