Revista Veja - 31/10/2011
Emprego
Sobram vagas para os que se preparam
No interior, a pujança econômica abriu terreno para a criação de oportunidades. Há quem as aproveite e quem as deixe passar
Quem chega ao município pernambucano de Paulista, na região metropolitana do Recife, se impressiona com a quantidade de outdoors que exibem anúncios de cursos profissionalizantes. As ofertas estão por toda parte. E o número de interessados em se matricular é enorme. A corrida pela capacitação profissional é puxada pelo bom momento da economia local: nunca a cidade viu surgir tantas vagas ao mesmo tempo. Em julho, foi inaugurada uma planta da Votorantim Cimentos. De uma só vez, 700 postos de trabalho foram abertos. Dois dias depois, houve nova inauguração, dessa vez de uma loja de departamentos da rede Eletro Shopping, que também instalou por lá seu centro de distribuição para toda a Região Nordeste: mais 310 vagas. Entre as cidades analisadas nesta reportagem, Paulista teve a maior evolução na criação de empregos na última década, segundo dados do Ministério do Trabalho. A letargia de 2003, quando o município registrou saldo negativo, ficou para trás. No ano passado, Paulista abriu 4 780 postos. Para uma cidade com 300 000 habitantes, equivale a uma revolução.
O sucesso surpreende até os especialistas. O economista Gustavo Maia Gomes, da Universidade Federal de Pernambuco, decidiu estudar o fenômeno. Segundo ele, a cidade soube se aproveitar do momento efervescente do estado, inundado por verbas federais nos últimos anos. Mas o que fez a diferença foi a qualificação da mão de obra – e aqui o ensino técnico teve papel fundamental. Quando as empresas perceberam que em Paulista havia gente mais qualificada que em outras cidades do entorno do Recife, correram para lá como moscas para o açúcar. Estabeleceu-se um ciclo virtuoso: quem ainda não tinha qualificação foi estudar, e a economia entrou em uma espiral ascendente. A renda média subiu. Hoje, os habitantes não precisam mais procurar emprego na capital do estado.
O exato oposto pode ser visto em Magé, no Rio de Janeiro. A cidade foi a que menos criou empregos entre as que têm mais de 200 000 habitantes. O cenário é desolador. O comerciante José Augusto Nalin, dono de uma rede de lojas de roupas, depara com dificuldades para contratar no município. “É raro encontrar gente preparada”, diz. A associação comercial até promoveu cursos de formação profissional, mas eles se mostram insuficientes. A administração municipal é lamentável – pululam casos de corrupção e falta qualquer ideia do que seja boa gestão. “Sem oportunidades, as pessoas passam a trabalhar e gastar dinheiro fora de Magé”, afirma Joaquim Guilhoto, economista da Universidade de São Paulo. A sangria de recursos entrava, é claro, o desenvolvimento. Enquanto no restante da região metropolitana do Rio a taxa de emprego cresceu 14,3% nos últimos doze meses, em Magé esse índice foi de 1,5%, o mais baixo do país. Pobre cidade.
Ensino Básico
Aos pequenos, com carinho
As escolas públicas da paulista Marília oferecem ensino básico com a qualidade das boas particulares. Já em Vitória da Conquista, na Bahia, o cenário é de guerra
Na Escola Municipal Edméa Braz Rojo Sola, em Marília, no interior paulista, o toque do sinal indica o fim das aulas, mas não o término das atividades. Esse é o momento que muitos pais aproveitam para conversar com os professores sobre o desempenho e o comportamento de seus filhos na sala de aula. A participação da família na vida acadêmica das crianças é a regra na maioria das escolas da cidade. O resultado é evidente. Marília obteve a maior nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), medido pelo Ministério da Educação nos anos iniciais do ensino fundamental. “Para mim, esta escola é uma extensão da minha casa. Eu a considero tão boa que nem penso em matricular meus filhos em uma instituição particular”, diz a empresária Silvânia Fontana, mãe de Luana, de 11 anos, e Luciano, de 8.
Além do interesse dos pais, o bom desempenho das escolas de Marília se baseia em instalações impecáveis, capacitação dos professores e gestão. No mês passado, por exemplo, os educadores tinham dezenove opções de cursos de aperfeiçoamento à disposição. Há lista de espera para frequentar as aulas desses cursos. Os professores também são cobrados. No início de cada semana, devem apresentar o planejamento de suas aulas. Às sextas-feiras, faz-se uma avaliação do que foi realizado. Também é ponto de honra estimular o gosto pela leitura. Todas as crianças levam semanalmente um livro para casa. Os pais têm o compromisso de acompanhar a leitura e anotar em um formulário suas observações a respeito do desempenho das crianças, Essa rotina é seguida do berçário até o término do ensino fundamental.
A cidade de Vitória da Conquista, na Bahia, é o exato oposto desse cenário acolhedor. Lá, algumas crianças ingressam no 1º ano do ensino fundamental da rede pública sem reconhecer letras, números ou mesmo o nome das cores. Em 2009, a prefeitura fez um levantamento aterrador: no 3° ano, metade dos alunos ainda não estava alfabetizada. É o caso de G.S., de 12 anos. “Queria saber ler e escrever como meus amigos, mas não sei se vou dar conta”, desabafa. O menino estuda na Escola Municipal Dom Climério de Almeida Andrade, que obteve a nota mais baixa da cidade no Ideb: 0,7. Tão precária quanto a qualidade da educação é a estrutura física do lugar. Em dias de sol intenso – que no sertão da Bahia não são poucos –, as telhas de zinco transformam as salas de aula em fornos. Na estação chuvosa, o barulho da água no telhado impede que os alunos ouçam o professor. É um pecado: crianças com deficiência de formação nos primeiros anos de ensino dificilmente recuperam o tempo perdido. E a situação regride: a nota média da cidade no Ideb, que em 2007 já era inadmissível – 3,8 –, caiu para 2,9 em 2009.
Atribuir o fracasso na educação a outros problemas municipais, como pobreza ou criminalidade, é uma desculpa irresponsável. A conflagrada Marabá, no Pará, por exemplo, escolheu a educação para reagir à violência. Entre 2005 e 2009, a nota média no Ideb saltou de 2,7 para 4 – o maior aumento registrado pela reportagem de VEJA. Para isso, as autoridades trilham um caminho semelhante ao de Marília. Os professores passaram a ter reuniões mensais para avaliar o próprio desempenho e o aprendizado das crianças, e o município lançou uma campanha para estimular a participação dos pais na vida escolar. “A melhora só acontece com uma boa gestão nas escolas, definição de objetivos claros a ser atingidos e capacitação de professores”, ensina o especialista em educação Gustavo Ioschpe. Sempre é possível reagir.
Lixo
A transformação do lixo em riqueza
O país avista a universalização da coleta de lixo. Mas a maioria dos detritos vai parar em áreas a céu aberto: ainda falta tratá-los e reaproveitá-los
O Brasil caminha a passos largos para, finalmente, se livrar de um problema medieval: a falta de coleta de lixo. Em 2000, 79% dos domicílios contavam com esse serviço. Hoje, o índice chega a 87% - e continua subindo. A melhora não se deve à bondade dos políticos, mas ao senso de oportunidade deles. A licitação da coleta é um terreno fértil para a corrupção. A fiscalização dos contratos é complexa e os valores envolvidos nos pagamentos, milionários. Quanto mais uma administração amplia o serviço, mais negócios lucrativos ela pode fechar. Apesar disso, a maioria das cidades ainda tem um sistema manco. Os sacos são retirados da porta das casas e atirados em lixões a céu aberto. Poucos reciclam resíduos secos ou usam aterros para confinar o lixo orgânico.
Há exceções. Santo André, no ABC paulista, é um exemplo de gestão nesse setor. As 1 000 toneladas diárias de lixo que a cidade produz são coletadas por 31 caminhões – onze deles só para recicláveis. Os veículos são monitorados por GPS, para que nenhuma casa fique fora da varredura. Isso garante 100% de coleta – sempre seletiva, sempre porta a porta, um fato raro no país. Para atingir esse patamar, Santo André teve de reciclar, em primeiro lugar, seu modelo de tratamento de resíduos. Em 2000, ligações telefônicas automáticas informavam aos moradores o dia e a hora em que cada tipo de lixo seria recolhido. A população aderiu e passou a separar materiais. Hoje, duas cooperativas selecionam 15% dos resíduos secos e os vendem para reciclagem. Até o ano que vem, a meta é chegar a 30%. O aterro para onde segue o lixo orgânico também é eficiente: tudo o que chega é enterrado. Dois piscinões contém o chorume, o líquido escuro produzido pela decomposição desse tipo de sujeira, e grandes escapamentos foram instalados para evitar que o gás metano – também resultado da decomposição se acumule embaixo da terra. Com isso, o impacto ambiental é controlado. O plano, agora, é produzir etanol a partir da esterilização do lixo.
Na Amazônia, a situação se inverte. Santarém, no Pará, tem o pior índice de coleta entre as 106 cidades analisadas: só 75% das casas têm o lixo recolhido – o restante fica pelas ruas ou é queimado em quintais. O serviço municipal é feito por sete caminhões e quarenta carroças, movidas a tração animal. Tudo é despejado em um lixão, onde toneladas de resíduos se acumulam. Só uma pequena parte é aterrada. Lá, catadores e urubus competem pelo sustento. "Lata de cerveja é o que dá mais dinheiro, mas eu separo tudo para vender: papel, vidro, plástico... Às vezes, tiro até 400 reais por mês", diz Keliane da Silva, de 19 anos, que sobrevive do que encontra no lixão. A vizinhança sofre. Quando chove, a enxurrada carrega o chorume e contamina igarapés, de onde muita gente tira água para tomar banho e lavar roupas.
Na última década, a cidade com mais de 200 000 habitantes que mais ampliou a coleta foi Itaboraí, no Rio. Em 2000, 60% de seus domicílios eram atendidos. Hoje, são 93%. O investimento reduziu o despejo de lixo em rios e na Baía de Guanabara. Desde 2010, tudo é descartado em um aterro particular, em uma região isolada do município. Itaboraí se livrou da sujeira, mas ainda tem o desafio de reaproveitá-la. A cidade apenas engatinha na coleta seletiva. Para atingir o exemplo de Santo André, a população precisa exigir dos governantes, além da manutenção dos investimentos, o início de um programa de reciclagem. Só assim o lixo recolhido vai se transformar em riqueza.
Mortalidade infantil
Investimento que salva vidas
No Brasil, o número de crianças que morrem antes de completar o primeiro aniversário ainda é uma vergonha. Mas as exceções são um alento
A fotografia estampada à direita mostra o momento em que Miguel do Nascimento veio ao mundo. O choro do menino foi o anúncio de mais um parto bem-sucedido realizado no Hospital Regional de Presidente Prudente, no interior de São Paulo. A mãe, Jéssica Cirino do Nascimento, de 19 anos, festejou não só a chegada do primeiro filho, mas também a atenção que ela e o bebê receberam da equipe do hospital. “Em todos os momentos fui acompanhada por duas obstetras e uma pediatra”, conta. Os cuidados oferecidos a ela são de praxe na cidade. Presidente Prudente tem a menor taxa de mortalidade infantil entre os municípios com mais de 200 000 habitantes. São oito óbitos em 1 000 nascidos vivos, metade da média nacional. Na cidade, assim que uma mulher recebe a confirmação do teste de gravidez, passa a ser acompanhada por profissionais das unidades básicas de saúde. O pré-natal é garantido ao longo de toda a gestação. Para partos mais complexos, os dois hospitais públicos dispõem de vinte leitos de UTI neonatal – o suficiente para atender a população de Presidente Prudente e outros 45 municípios do entorno. Em Itabuna, no sul da Bahia, a história é bem diferente. Não há sequer um leito de UTI para recém-nascidos no hospital público da cidade. Apenas a rede particular oferece o serviço – e, ainda assim, há apenas sete vagas. Os retratos dos partos realizados na Maternidade Ester Gomes parecem ter saído das obscuras xilogravuras do artista suíço Jost Amman, da Idade Média. Tais condições podem ter causado a morte de Maria Lohane, ocorrida algumas horas depois de ter nascido, por asfixia. Sua mãe, Maria Regina Oliveira, de 18 anos, não se conforma em não contar com um hospital devidamente equipado para emergências. Itabuna tem a maior taxa de mortalidade infantil entre as 106 cidades pesquisadas. Em 2009, foram 29,4 mortes em cada 1 000 nascidos vivos. Apesar da infraestrutura precária, a maternidade municipal recebe pacientes de 121 cidades próximas. “A falta de exames de pré-natal e a realização de partos sem a presença de um pediatra são as principais causas da mortalidade dos recém-nascidos no interior”, diz o médico Renato Procianoy, presidente de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, está a prova de que a tragédia da morte de bebês não precisa se perpetuar. Até 2 000, a cidade tinha o maior índice de mortalidade infantil do país. Para reverter o quadro de calamidade, o poder público só teve de fazer o básico: investir com eficiência os recursos públicos. Em 2009, foi inaugurada uma nova maternidade. A unidade foi equipada com dez leitos de UTI neonatal, equipamentos de ultrassonografia e unidade clínica onde são realizados os exames de pré-natal. “Parecia que eu estava sendo atendida em uma clínica particular. Bem diferente de quando tive meu primeiro filho”, conta Silvia Juciane de Meio, mãe de Ana Beatriz, que nasceu em agosto, na nova maternidade. Resultado: entre 2000 e 2009, a taxa de mortalidade caiu de 38,1 para 11,6 em cada 1 000 nascidos vivos. É o melhor exemplo de que o dinheiro dos impostos, quando bem aplicado – e não desviado pela corrupção –, salva vidas. Se mais cidades seguissem o exemplo, a tragédia da mortalidade infantil logo seria relegada ao passado.
Renda
Onde o vento sopra a favor
Os municípios que fizeram as escolhas corretas para crescer e enriquecer prosperam rapidamente
No fim de semana, os ventos da enseada de São Francisco estufam as velas de centenas de embarcações que salpicam de branco o mar de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. O comerciante Luiz Correia, de 44 anos, e sua filha Júlia, de 14, estão entre os 600 velejadores registrados no município. Correia desembolsa 20 000 reais por ano para manter a diversão. Niterói oferece as condições ideais para o esporte de alto custo – inclusive os praticantes. A cidade tem a maior renda domiciliar per capita do Brasil: 2 031 reais por mês – valor 144% superior ao da média nacional. É o município mais classe A do país, com um terço dos seus 490 000 habitantes alinhados no topo da escala social.
O caminho para a prosperidade foi pavimentado em 1974, com a inauguração da Ponte Rio-Niterói. A facilidade de acesso possibilitou a muitas pessoas fixar moradia no lado oposto da Baía de Guanabara, sem deixar o emprego ou negócios na capital fluminense. E uma rede de serviços floresceu para atender essa nova elite. O setor responde hoje por 77% do PIB e emprega metade dos trabalhadores formais da cidade. Um dos que vão de vento em popa é Ronaldo Pontes, um dos mais renomados cirurgiões plásticos brasileiros. Ele mora e trabalha em Niterói, e 40% de seus pacientes são dali. Em janeiro, ergueu um dos hospitais mais bem equipados do estado. “O sucesso de Niterói está ligado à força do setor de serviços, principalmente em saúde e educação”, diz o economista Marcelo Néri, da Fundação Getulio Vargas.
O que sobra em Niterói falta em Maracanaú, vizinha a Fortaleza, no Ceará. Sua população tem a pior renda domiciliar per capita entre os 106 municípios analisados: 385 reais mensais, menos da metade da média nacional, de 831 reais. Maracanaú, paradoxalmente, é o maior polo industrial do estado. No entanto, a riqueza produzida por suas fábricas não permanece em seu perímetro. “Os maiores salários são pagos a gente de fora, sobretudo a moradores de Fortaleza que trabalham aqui”, explica o prefeito, Roberto Pessoa, do PR. Isso acontece porque falta qualificação aos cidadãos. Maracanaú tem apenas uma faculdade, com 300 alunos. Na fábrica de plásticos Ibap, por exemplo, só 20% dos funcionários moram na cidade. Antônio Souza, de 23 anos, encarna o desalento da população local. Formado no ensino médio, desistiu de seguir os estudos para trabalhar na informalidade, como faz-tudo em uma loja. “Não estou pronto para a universidade”. Souza foi o que mais estudou em sua casa, onde a renda por pessoa é de 225 reais por mês.
A 250 quilômetros dali, a cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, está rompendo o ciclo da miséria. Na década passada, teve o maior aumento de renda domiciliar per capita entre as cidades com mais de 200 000 moradores: saltou de 205 reais para 628 reais. Abastecida com royalties do petróleo, a prefeitura investiu na capacitação da mão de obra. Um programa de renúncia fiscal levou cinco instituições de ensino superior a expandir suas instalações. O número de universitários quadruplicou e já chega a 15 000. Isso fez com que, em seis anos, Mossoró atraísse 31 indústrias e criasse 15 500 novos empregos. Até o setor imobiliário se aqueceu. “Nosso faturamento aumentou quinze vezes em dez anos”, diz o empreiteiro Jorge do Rosário, da Repav, especializada em prédios de apartamentos. É mais uma prova de que investir em educação produz riqueza.
Internet
De quantos megabits por segundo você precisa?
Nos grandes centros, já não é novidade baixar filmes ou estabelecer chamadas de vídeo por meio de conexões de internet estáveis e com preços acessíveis. Em Santos, no litoral paulista, os primeiros pontos de acesso à banda larga chegaram no fim do século passado e levaram à cidade muito mais que diversão. Foram fundamentais para a expansão dos negócios de base tecnológica. A empresária Ludmilla Rossi, por exemplo, tinha apenas 16 anos quando começou a ganhar dinheiro com a criação de sites para pequenas empresas. Hoje, aos 29, comanda, ao lado do namorado, Maurício Matias, uma agência de marketing virtual. Em Santos, por menos de 200 reais, é possível contratar conexões com até 30 megabits por segundo, uma velocidade altíssima. Mesmo nas áreas aonde a internet não chega por cabos, há uma boa cobertura de banda larga móvel disponível, por meio das redes 3G das empresas de telefonia celular. Além disso, a prefeitura instalou cinco pontos de acesso gratuitos, que funcionam por meio de redes wi-fi. Dois deles ficam na praia.
A internet de banda larga fixa já chegou a todos os municípios do Brasil, mas poucos têm a fartura de oferta de Santos. Em boa parte, o serviço ainda é caro, instável e restrito. Segundo estudo da consultaria Pando Networks, o Brasil tem uma velocidade média de conexão de 105 kilobits por segundo – média inferior à do Haiti e Etiópia. Na Coreia do Sul, que tem a melhor média do mundo, é possível baixar dados vinte vezes mais rápido do que aqui. E a internet brasileira é 4,5 vezes mais cara que a da Alemanha.
Até o ano passado, não havia nenhum cabo de fibra óptica para atender a população de Ananindeua, no Pará. A instalação só começou recentemente. Entre os municípios brasileiros com mais de 200 000 habitantes, é o que registra o menor índice de pontos de acesso de banda larga: dois para cada 1 000 habitantes. Por lá, é comum que a mesma conta de internet, oferecida por cabos telefônicos, seja dividida por até cinco famílias. O “gato” é tolerado pelas companhias porque não há espaço para novos pontos de conexão na infraestrutura disponível. Como o acesso domiciliar é difícil, proliferam as lan houses, ou “cybers”, como dizem os paraenses. Quem não pode abrir mão de uma conexão rápida deve preparar o bolso. O empresário Antônio Raimundo dos Santos paga inacreditáveis 3000 reais por mês por uma conexão de 2 megabits por segundo em sua loja de autopeças. “Tenho filiais em outros estados e não pago nem 5% desse valor por serviços bem melhores”, diz.
Em Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, até 2005 só havia conexão discada. A situação começou a melhorar quando uma empresa passou a oferecer internet rápida por ondas de rádio. Há três anos, cabos telefônicos finalmente começaram a ser usados para operar o serviço. O número absoluto de conexões aumentou de 471, em 2007, para mais de 10 000 – quantidade ainda risível para quem mora nas capitais e se acostumou a viver conectado. O presidente da Telefônica no Brasil, Antonio Carlos Valente, acredita que a nova legislação de telecomunicações – que possibilitará às empresas de telefonia oferecer internet, TV por assinatura e telefone em um mesmo pacote – vai viabilizar a instalação de redes velozes em todo o país. “As novas regras permitirão a expansão da rede de cabos. O futuro é a fibra óptica como estrutura básica da rede”, diz Valente.
Saneamento
A receita para sair da fossa
A maioria dos municípios cresceu ignorando o saneamento, área essencial para garantir a saúde e a qualidade de vida da população. Americana, em São Paulo, mostra o caminho da excelência
O Brasil foi o terceiro país a iniciar a construção de redes de esgoto, em 1857. O pioneirismo não levou à excelência. Até hoje, só 55% dos domicílios estão conectados ao sistema. Mas, entre os municípios com mais de 200 000 habitantes, existe um grupo de elite. Ele é formado por dez cidades que superaram os 98% de cobertura. A campeã é a paulista Americana, onde 99% das casas contam com esgotamento sanitário. Suas primeiras tubulações foram construídas em 1902, por empresários alemães. O poder público aprendeu a lição com os imigrantes. Em 1928, entrou em vigor uma lei para instalar a rede de coleta em todo o município. Para efeito de comparação, o primeiro plano nacional de saneamento feito pelo governo federal só seria elaborado mais de quarenta anos depois.
O tratamento do esgoto no entanto, é mais recente. A estação que inaugurou esse serviço no município começou a funcionar em 1988. No período em que ninguém pensava em parcerias público-privadas, Americana fechou um acordo com quarenta empresas locais para montar a operação. Elas custearam um terço do valor da obra e, em troca, ganharam o direito de ter os seus dejetos tratados pela prefeitura. Hoje, os rios da cidade não são mais poluídos, porque 100% do esgoto coletado recebe tratamento. Até 32 famílias que vivem em uma região afastada, a Colônia Sobrado Velho, na zona rural, estão ligadas ao serviço. "Quando cheguei aqui, em 1997, já havia tubulações de água e esgoto", diz o aposentado Mário Ostapechem. A infraestrutura de Americana atraiu duas empresas sul-coreanas: a Doosan, de construção civil, e a metalúrgica Dabo. Juntas, elas investirão 140 milhões de reais e criarão 500 empregos.
Os cinco municípios com a melhor cobertura de saneamento estão no estado de São Paulo. Além de Americana, Araraquara, Ribeirão Preto, Franca e Bauru se destacam. A desigualdade do país fica evidente quando a outra extremidade da lista é avaliada. Das dez cidades com os sistemas de coleta mais defasados, oito estão no Norte e Nordeste. Arapiraca, o segundo maior município de Alagoas, só tem 19% de seus domicílios atendidos pela rede de esgoto. É o pior índice entre as 106 cidades analisadas. Lá, ainda é comum despejar excrementos em riachos ou no quintal de casa. Arapiraca convive com a proliferação de doenças decorrentes da falta de saneamento. Sua taxa anual de internações por diarreia é de 158 por 100 000 pessoas, o quádruplo da de Americana.
Arapiraca não teve a ventura da colonização alemã e sempre padeceu com a falta de investimentos em infraestrutura. A água encanada só chegou na década de 80 e não atende a mais que um terço das necessidades dos 215 000 habitantes. O primeiro cano para coletar esgoto foi instalado dez anos depois, em 1990. Para tirar o atraso de um século em relação a Americana, Arapiraca teria de injetar 250 milhões de reais em saneamento. O orçamento anual da prefeitura, no entanto, não passa dos 360 milhões. Na última década, foram aplicados nessa área apenas 17 milhões de reais. Embora a quantia seja modesta, foi possível dobrar o alcance do sistema de esgoto. Duas estações de tratamento também entraram em operação e dão conta de 8% dos dejetos. Como ensina Americana, não há milagre: investir continuamente é a única receita para uma cidade sair da fossa.
Criminalidade
Como parar o crime
O banditismo é um dos piores flagelos que afetam o cotidiano dos brasileiros, mas há municípios que venceram essa praga. É possível, sim, garantir segurança à população
A combinação da areia branca com a água azul do Rio Tapajós deu às praias fluviais de Santarém, no oeste do Pará, o apelido de “Caribe Amazônico”. O idílio não se restringe a sua exuberância natural. O lugar tem também a menor taxa de homicídios entre as cidades brasileiras com mais de 200 000 habitantes. Segundo dados inéditos do Mapa da Violência no Brasil, Santarém teve 3,8 assassinatos por grupo de 100 000 pessoas em 2009. Trata-se de um índice menor que o dos Estados Unidos e da Argentina, por exemplo. O clima de paz permite a seus habitantes levar um estilo de vida raro em grandes centros. Na orla do Tapajós, enquanto uns praticam exercícios, outros aproveitam para acessar a internet em seus notebooks. A tranquilidade fomenta o comércio. O setor, que representa 27% do mercado formal, criou 2 300 empregos desde 2006. O restaurante mais frequentado da região, o Massabor, nunca foi alvo de arrastão. “Seguranças e câmeras são desnecessários”, diz o gerente Emílio de Oliveira.
A ordem é atribuída à qualificação de seus policiais. Na Polícia Civil, 82% dos agentes têm ensino superior e outros 13% são universitários. Com um serviço de inteligência preparado, a polícia exibe uma altíssima marca: 95% dos autores de homicídios são descobertos e punidos. A Polícia Militar também conta com uma tropa letrada. Sete em cada dez PMs têm curso superior ou estão na universidade. Atuando de forma integrada, as forças de segurança garantem aos moradores um nível de tranquilidade de fazer inveja aos habitantes da capital, Belém, ou aos de Marabá, a maior cidade do sudeste paraense.
Em Marabá, a taxa de assassinatos é a maior entre os municípios analisados: 125 homicídios por 100 000 habitantes, ou sete vezes a registrada no México, país conflagrado pelo tráfico de drogas. Antigo palco de conflitos agrários, a cidade ganhou o apelido funesto de “Marabalas”. Na última década, com a urbanização, o faroeste deu lugar à degradação causada pelo tráfico de drogas. Policiais afirmam que 80% das execuções na cidade estão associadas a esse tipo de crime. Só em janeiro de 2011, uma disputa por pontos de venda de entorpecentes deixou nove mortos. “Se a estrutura policial fosse qualificada, os bandidos não teriam a certeza da impunidade, como têm hoje”, diz o sociólogo Julio Jacobo, diretor do Mapa da Violência.
A cidade é o exemplo extremo da escalada de banditismo no Norte e no Nordeste. Já o Sudeste coleciona indicadores promissores. A região foi a única a reduzir, em seu conjunto, o número de homicídios na última década. Praia Grande, no litoral paulista, é um modelo a ser seguido. Antes conhecida pelos crimes hediondos, a cidade derrubou a taxa de assassinatos de 93, em 2000, para 18, em 2009, para cada 100 000 habitantes. A queda de 81% foi a maior entre os municípios com mais de 200000 moradores. O combate aos criminosos contou com o treinamento e o armamento da guarda municipal. Em 2002, a prefeitura também partiu para a vigilância eletrônica: espalhou 1 500 câmeras em vários pontos da cidade, que hoje detém uma das maiores redes de monitoramento do país. Mais de 16 000 ocorrências de diversos tipos já foram flagradas graças à tecnologia. Há dez anos, a empresária Fabiana Paiva teve de fechar sua farmácia porque era assaltada toda semana. Com a queda da criminalidade, voltou ao comércio. Abriu uma franquia que vende salgados e funciona com total segurança. “Nesta nova fase, não tive problema”, diz. Uma prova de que segurança é assunto de polícia.
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