Por José Carlos Portella Jr
No dia 6 de outubro, foi anunciado pelo Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODOC) o “Estudo Global sobre Homicídios”, o qual mostra que em 2009, lamentavelmente, foram cometidos 22,7 homicídios para o grupo de cada 100 mil habitantes no Brasil. O índice canadense, para o mesmo período, foi de 1,81. Na América do Sul, o índice brasileiro só é inferior ao da Venezuela (49 por 100 mil) e ao da Colômbia (33,4). No ranking mundial, o Brasil ocupa o 24° lugar, na frente de países conflagrados como, Iraque, Palestina e Afeganistão. Em números absolutos, o Brasil ocupa a liderança do ranking, com 43.909 pessoas assassinadas em 2009.
Diante desses números, com tristeza se constata que o Brasil está à beira de uma crise humanitária, igualável a de países que sofrem com o flagelo da guerra. É um verdadeiro genocídio silencioso que vitima, em sua maioria, homens negros e pobres, com idade entre 15 e 24 anos. Pela mídia, acompanhamos atônitos aos massacres promovidos pelos governos despóticos contra a população civil na Palestina, na Líbia ou no Sudão; somos capazes de nos comover com o destino trágico de africanos e árabes, mas não conseguimos nos revoltar com o morticínio de jovens brasileiros nas periferias do país. Enquanto nos omitimos, o genocídio no Brasil segue implacável e destrói o futuro desta jovem nação.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como um dos princípios fundamentais da República a dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III). Em seu artigo 5º, a Constituição erigiu à condição de direitos fundamentais de todos os cidadãos a inviolabilidade da vida, a igualdade e a segurança.
A defesa da obrigatoriedade de atuação do Estado e da sociedade no sentido de reverter esse quadro está em consonância, portanto, com a essência da Constituição de 1988, cujo cerne é a garantia da máxima proteção aos direitos fundamentais de modo a preservar a dignidade humana.
Aliás, não só o direito nacional impõe a proteção à dignidade humana. Inúmeros tratados internacionais ratificados pelo Brasil, e que passam a fazer parte do rol dos direitos fundamentais (conforme o artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição de 1988), promovem a proteção dos direitos humanos, como o Pacto de São José da Costa Rica de 1969, os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, ambos de 1966, e o Estatuto de Roma de 1998. É bom lembrar que o descumprimento desses tratados pode levar o país a prestar contas de suas ações, ou omissão, perante os tribunais internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos e até mesmo no Tribunal Penal Internacional.
Diz o juiz internacional e professor Antonio Augusto Cançado Trindade que o Estado existe para o homem, e não o contrário. Se o Estado existe para o homem, isto é, um meio para que ele alcance a sua felicidade, a Constituição é a garantia de que o homem será o fim de todas as coisas. O princípio pro omine determina que se deve dar à Constituição a interpretação que mais amplifique os direitos do homem, aplicando-a com máxima efetividade. Afinal, de que adianta constar do texto frio da Constituição os direitos à vida, à igualdade jurídica e à segurança, se os órgãos estatais e os cidadãos a ignoram? O espírito da Constituição viva exige que suas normas sejam aplicadas de maneira mais favorável à dignidade humana, adequando o seu texto às exigências de uma determinada realidade social.
Se, de acordo com a Constituição, são objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, impende a todos, Estado e sociedade civil em cooperação, agir para fazer cessar o genocídio em curso no Brasil.
Desde a aprovação da Constituição de 1988, a sociedade brasileira caminha rumo a uma nova era: a era dos direitos. Mas, se os direitos são universais, temos que garantir que eles cheguem a todos os brasileiros. A responsabilidade é de todos nós.
José Carlos Portella Jr é advogado criminalista e professor do Curso de Direito do Centro Universitário Curitiba e das Faculdades Dom Bosco.
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