NÓS FAZEMOS A DIFERENÇA NO MUNDO...

Nós fazemos a diferença no mundo
"Eu sou a minha cidade, e só eu posso mudá-la. Mesmo com o coração sem esperança, mesmo sem saber exatamente como dar o primeiro passo, mesmo achando que um esforço individual não serve para nada, preciso colocar mãos à obra. O caminho irá se mostrar por si mesmo, se eu vencer meus medos e aceitar um fato muito simples: cada um de nós faz uma grande diferença no mundo." (Paulo Coelho)

Na qualidade de Cidadão, afirmamos que deveríamos combater o analfabetismo político, com a mesma veemência que deveria ser combatido o analfabetismo oficioso no Brasil. Pois a politicagem ganha força por colocarmos poder de importantes decisões nas mãos de quem não se importa com o que irá decidir.
Concordo com Bertolt Brecht, quando afirma que: "O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos”. Ele não sabe o custo de vida, nem que o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato, saneamento, mobilidade urbana, e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. “Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce à prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”

terça-feira, 16 de março de 2010

Polêmico repórter

O jornalista americano Larry Rohter ficou conhecido entre os brasileiros por quase ter sido expulso do país ao relatar sobre o gosto do presidente Lula por bebidas alcoólicas. Em Deu no New York Times, o incômodo repórter traz detalhes sobre esse assunto, além de matérias feitas no Brasil sobre temáticas variadas.
Especial Deu no New York Times...A política, a sociedade e a cultura brasileiras na visão de Larry Rohter, o jornalista americano que quase foi expulso do Brasil por falar do gosto do presidente por bebidas alcoólicas
A certa altura, em uma comemoração entre amigos no Rio de Janeiro, em maio de 2004, pediram ao americano Larry Rohter que cantasse. O então correspondente do The New York Times no Brasil levantou-se e entoou – com voz desafinada, segundo o relato – Apesar de Você, célebre canção de protesto disfarçado contra a ditadura militar. "Como vai proibir quando o galo insistir em cantar?", diz um dos versos. Um dos presentes observou que Chico Buarque, autor da música, era partidário de Luiz Inácio Lula da Silva. Rohter apreciou a ironia: na sua interpretação improvisada, a letra voltava-se exatamente contra o governo Lula, que tentara expulsá-lo do país. O motivo dessa tentativa de intimidação – talvez o episódio mais vergonhoso das complicadas relações da administração petista com a imprensa livre – chega a ser trivial: uma reportagem sobre o notório gosto de Lula pelas bebidas alcoólicas. O caso é narrado em detalhes por Rohter em Deu no New York Times (tradução de Otacílio Nunes, Daniel Estill, Saulo Adriano e Antonio Machado; Objetiva; 416 páginas; 39,90 reais), que esta nas livrarias brasileiras e do qual alguns trechos, com exclusividade, ao longo das próximas páginas.
A obra divide-se em cinco seções: Cultura, Sociedade, Política, Amazônia e Economia/Ciência. Cada uma delas traz as melhores reportagens do autor sobre o tema, introduzidas por um comentário geral, com uma visão mais pessoal e opinativa do que era permitido ao repórter em sua cobertura cotidiana. Aos 58 anos, casado com uma carioca que cursava como ele a Universidade Georgetown, em 1967, Rohter conhece o país como poucos brasileiros. Começou a trabalhar para o escritório da Rede Globo em Nova York no início da década de 70, produzindo segmentos para o Fantástico, e em 1972 veio ao país pela primeira vez, para trabalhar como uma espécie de cicerone de músicos estrangeiros que se apresentavam no Festival Internacional da Canção produzido pela emissora. Depois dessa experiência inicial, foram quatro anos no Brasil como repórter da revista Newsweek e, em seguida, oito anos e meio como correspondente do Times, função que ele deixou em março. De volta aos Estados Unidos, Rohter cobriu a campanha presidencial de McCain para o jornal. Seu livro traz a visão crítica que se espera de um bom observador estrangeiro – as ilusões ufanistas e os vícios nacionais (a corrupção em particular) estão rigorosamente documentados. Mas é também uma obra muito generosa com o Brasil. A própria interpretação de Rohter para a tentativa de expulsá-lo em 2004 é, afinal, positiva. "O Judiciário agiu de maneira louvável. O pleno funcionamento das instituições brasileiras foi o grande destaque do episódio", disse ele, por telefone, de sua casa em Nova York, a VEJA.
"De modo geral, suas matérias sobre o Brasil eram ricas e objetivas", diz o diplomata Roberto Abdenur, ex-embaixador em Washington – cuja única restrição ao trabalho de Rohter é exatamente aquele sobre o presidente e a bebida: "A reportagem era distorcida e exagerada. Lula gosta de beber seu uísque, mas jamais ouvi que isso era problema". De fato, os hábitos etílicos do presidente já tinham ampla divulgação em notas e artigos na imprensa nacional, sem que ninguém levasse isso tão a sério. O relato de Rohter só criou tanta celeuma porque saiu no Times, um dos maiores jornais americanos e, a despeito de algumas crises de credibilidade recentes (como a causada em 2003 pelo repórter Jayson Blair, que publicou matérias inventadas), ainda o mais influente deles. Junte-se a isso o pensamento provinciano brasileiro de que, se "deu no New York Times", pouca coisa não é, e eis que o governo armou um circo desproporcional ao assunto.
Na interpretação apresentada em Deu no New York Times, o incidente da tentativa de expulsão vai mais fundo do que apenas ao copo de uísque presidencial. O governo já estaria irritado com Rohter por causa de reportagens anteriores – republicadas, com comentários do autor, no livro recém-lançado. Uma delas, de março de 2004, dizia respeito ao esforço de um governo de esquerda para manter ocultos os fatos sobre a guerrilha do Araguaia, na qual membros do PC do B e o Exército se enfrentaram entre 1970 e 1974. Rohter lembrou uma dolorosa dívida moral do estado brasileiro para com os camponeses locais, que, pegos no fogo cruzado entre guerrilha e repressão, foram desalojados, torturados ou mortos pelas Forças Armadas. "Eles eram as principais vítimas do episódio, mas pareciam ter sido esquecidos por todos os outros protagonistas: Forças Armadas, governo e até os próprios guerrilheiros", escreve o jornalista. Outra reportagem, ainda mais incômoda para o governo, saíra um mês antes, em fevereiro de 2004. Falava do assassinato do prefeito petista Celso Daniel, de Santo André, e lembrava as possíveis relações entre o crime e o esquema de corrupção que unia várias cidades administradas pelo PT, com a finalidade de arrecadar dinheiro para a campanha presidencial de Lula naquele ano de 2002. A rigor, como o próprio Rohter observa no livro, a reportagem não trazia novidades sobre o caso (que, passados quase sete anos, ainda está para ser esclarecido). Mas o governo brasileiro considerou constrangedor que esses fatos fossem publicados no Times em um momento em que Lula buscava credibilidade internacional.
Já tendo acumulado esse histórico de reportagens indigestas para o petismo, Rohter resolveu xeretar a decantada intimidade de Lula com o copo – algo que, como se sabe, nunca foi visto como uma qualidade negativa e, para muitos eleitores, era francamente simpática. Rohter seguia a tradição do jornalismo americano segundo a qual homens públicos não têm vida privada. Políticos da situação e da oposição confirmaram que Lula gostava de beber, mas, à exceção de Leonel Brizola, nenhum quis ser identificado. O jornal publicou a reportagem em 9 de maio de 2004, um domingo. As reações iniciais caíram dentro do previsível: afetações de orgulho nacional ferido. Na terça-feira à noite, porém, o governo extrapolou: com base em uma lei do tempo da ditadura, resolveu cancelar o visto de Rohter e expulsá-lo do país.
De suas fontes no Planalto, o correspondente soube detalhes do que teria ocorrido na reunião ministerial que conduziu à malfadada decisão. O então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que poderia ser uma voz legalmente sensata no encontro, estava ausente, em compromisso na Suíça. Prevaleceram as opiniões alopradas de Luiz Gushiken e José Dirceu, que mais tarde tombariam nos escândalos do mensalão. A julgar pelo relato de Deu no New York Times, o próprio Lula aloprou: "De acordo com a mesma fonte, quando alguém objetou que me expulsar era inconstitucional porque minha mulher é brasileira, Lula replicou batendo na mesa e berrando, exaltado, ‘Que se f*** a Constituição! Quero que ele vá embora!’". Rohter permaneceu no país, graças a um pedido de habeas corpus impetrado pelo então senador Sérgio Cabral e aceito pelo juiz Francisco Peçanha Martins, do Superior Tribunal de Justiça. O governo recuou, buscando um acordo com o New York Times – que Márcio Thomaz Bastos tentou vender como um pedido de desculpas do jornal. "Foi pouco comum termos um incidente dessa ordem em um país democrático", diz Susan Chira, editora da seção Internacional do Times.
Os ataques contra o correspondente não se restringiram aos esforços oficiais para mandá-lo de volta a Nova York. Uma campanha insidiosa passou a ser fomentada na internet, talvez a primeira ação concertada de uma prática que se tornaria corrente no PT dali em diante sempre que se quisesse destruir a reputação de um "inimigo" da causa. Os agentes petistas fizeram circular um texto em que Rohter era acusado de ser agente da CIA, de abusar sexualmente de indiazinhas na Amazônia e de conspirar para derrubar o venezuelano Hugo Chávez. Ele era acusado também de beber "possivelmente bem mais que Lula". Até aqui nada de muito novo para quem já sofreu esse tipo de ataque. A novidade é quanto Rohter avançou na identificação dos autores da campanha caluniosa. O texto contra ele vinha assinado por uma professora da Universidade de Brasília. Procurada por Rohter, ela negou a autoria. O colunista Ricardo Noblat buscou a fonte de uma cópia recebida desse e-mail e chegou até um endereço... no Palácio do Planalto. A fantasia paranóica de que a reportagem atendia aos interesses conservadores do governo Bush esbarra na orientação política do New York Times, conhecido por sua oposição desinibida aos republicanos e a Bush. O livro do correspondente americano aponta algumas afinidades entre Bush e seu colega brasileiro. Diz ele: "Ideologia não é o único fator a determinar a relação entre presidentes e países. A personalidade também é importante. No caso de Bush e Lula, ajuda a explicar por que os dois se dão bem".
Há bem mais em Deu no New York Times do que o incidente da quase-expulsão. Nos textos reunidos no livro, Rohter fala da música de Gilberto Gil e Caetano Veloso e da tecnologia agrícola da Embrapa, de jegues e de Paulo Coelho. O livro contém outra peça que criou polêmica, mas por razões mais, digamos, cosméticas do que políticas: uma reportagem sobre a obesidade entre os brasileiros. Rohter teve azar com o fotógrafo. Para ilustrar a matéria, baseada em estatísticas do IBGE, o retratista buscou gordinhas em uma praia do Rio – e fotografou turistas checas fofinhas como se fossem brasileiras. Os cariocas, é claro, pegaram no pé do então correspondente. Ossos – e gorduras – do ofício. "Larry é um profissional consumado e versátil, que escreve tanto artigos de análise política quanto de crítica cultural. Sua visão nuançada e profunda do Brasil assegurou que o New York Times publicasse um grande número de reportagens sobre o país", diz Susan Chira, que foi editora de Rohter.
De certo modo, Deu no New York Times pode ser lido como uma versão contemporânea dos relatos de viajantes sobre a vida brasileira. Essa tradição começou na colônia, com Jean de Léry e Hans Staden, e incluiu figuras de proa da ciência mundial, como os naturalistas Darwin e Humboldt, que mandavam ao então centro do mundo notícias e impressões das terras remotas que visitavam. O Brasil não é mais o país exótico e selvagem que esses aventureiros e cientistas buscavam – mas o olhar do estrangeiro ainda pode desvendar aspectos inusitados para os nativos. O estrangeiro é mais desassombrado para afrontar unanimidades nacionais – como a arquitetura de Brasília, já desmontada por críticos como Robert Hughes e Marshall Berman e mais uma vez criticada por Rohter. Para quem tem o ex-correspondente americano na conta de uma besta-fera imperialista, a leitura de seu livro pode ser iluminadora: será surpreendente ver que ele apóia algumas bandeiras caras ao atual governo. É a favor das cotas raciais nas universidades e se mostra complacente com a ex-ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro, que caiu quando se soube de sua farra com os cartões corporativos. Concorde-se ou discorde-se dele, Larry Rohter é um repórter inquieto, um representante da melhor tradição americana da liberdade de imprensa. É bom que o galo cante sem precisar da autorização do mandante da ocasião.

Lula e a bebida
"O meu relacionamento com Lula, embora esporádico, data dos anos 70, quando ele estava surgindo como líder sindical e eu, um correspondente recém-chegado ao Brasil, o acompanhei e o observei. Já conversei bastante com ele, ouvindo declarações astutas e também bobagens, todas devidamente anotadas no meu bloquinho. Já tomei água, refrigerante e até uma cachacinha com ele. Então, fico perplexo quando ouço o presidente alegar que nunca teve nenhum contato comigo. A verdade é comprovadamente outra"
"Também fiquei impressionado na época com as generosas quantidades de álcool que ele consumia. Como tenho por hábito quando estou trabalhando, eu me limitava a tomar Fanta Laranja, e me lembro de Lula me provocar com bom humor por causa disso. ‘Que que é isso, meu caro? Um jornalista que não gosta de beber?’. Enquanto ia de uma reunião a outra, ele bebia o que lhe oferecessem: cachaça, uísque, conhaque para se aquecer em manhãs frias, e mesmo a cerveja da qual ele afirma não gostar. Às vezes seus olhos ficavam injetados e sua fala, enrolada. Era difícil dizer se isso se devia ao álcool, porque ele estava visivelmente fatigado de tensão e falta de sono, e tendia, mesmo quando não tinha bebido, a falar alto e divagar em público, pulando de um tópico a outro"

A tentativa de expulsão
"A resposta inicial foi bem o que eu esperava: uma explosão de nacionalismo, parte dela bastante hipócrita. Em certo momento, houve um desfile de mais de doze políticos de Brasília me denunciando em um canal de televisão a cabo. Eu tive de rir, porque dois dos que me atacavam – um de um partido aliado ao PT, o outro uma importante figura da oposição – tinham sido informantes para minha reportagem e expressado suas preocupações com a recente passividade de Lula e suas suspeitas de que ele andava bebendo em excesso"
"Contudo, devo confessar que nunca pensei que Lula e seus assessores seriam tolos ao ponto de ordenar minha expulsão do país. Fiquei tão chocado quanto qualquer outra pessoa quando a medida foi anunciada na noite de terça-feira, e soube, assim que ouvi o noticiário, que eles tinham superestimado sua força e iam sofrer uma derrota. Uma coisa era eles invectivarem contra um gringo metido e narigudo que estava ‘manchando’ a ‘honra’ do Brasil. Mas ao tentarem me expulsar, empregando uma lei que datava dos piores dias da ditadura militar, eles tinham ido longe demais e agora estavam também pisando nos calos dos brasileiros"

Márcio Thomaz Bastos
"Depois, muitos de meus colegas na imprensa brasileira retrataram Bastos como o líder sensato e cheio de princípios que havia habilmente costurado uma resolução para uma crise desnecessária. Não partilho essa opinião. A meu ver, o comportamento de Bastos quando retornou da Suíça foi tortuoso e ficou aquém dos padrões éticos exigidos dele como o principal representante legal do país. Ele tinha sido advogado pessoal de Lula antes de ingressar no ministério, e, como ocorreu depois, durante a crise do mensalão de 2005 e 2006, agiu não para defender os interesses mais amplos da nação brasileira, mas para favorecer os interesses partidários mais estreitos de seu antigo cliente e do Partido dos Trabalhadores. Para mim, o verdadeiro herói não louvado do episódio, se é que houve um, foi Sérgio Cabral, que na época era senador pelo estado do Rio de Janeiro, e hoje é governador desse estado e um aliado de Lula. Sem me conhecer pessoalmente, mas reconhecendo que estava em jogo um princípio importante, ele entrou com um pedido de habeas corpus para evitar minha expulsão"

Marco Aurélio Garcia
"Em sua função como conselheiro de Lula em assuntos de segurança nacional e política externa, Garcia, ex-professor universitário, parecia se ver como uma espécie de Henry Kissinger tupiniquim, um mestre da realpolitik. A realidade, contudo, é que ele parece mais um Renato Aragão da diplomacia, um trapalhão cujo principal talento é bagunçar as coisas"

Lula e Bush
"As semelhanças de Lula com George W. Bush tem mais a ver com caráter e personalidade. Como Bush, Lula não parece ter muita curiosidade intelectual. Ele não gosta de ler relatórios, muito menos livros, tem uma ideologia estreita que impede que novas experiências mudem sua perspectiva, tinha muito pouca experiência do mundo fora das fronteiras de seu próprio país antes de assumir o governo, e disse algumas coisas notavelmente ingênuas e desinformadas enquanto viajava pelo exterior. Ambos maltratam sua língua nativa, mas ambos são tidos como calorosos e cativantes em situações de contato pessoal. Talvez isso explique a afinidade que eles parecem ter desenvolvido um pelo outro: apesar de suas diferenças ideológicas, parecem reconhecer um no outro espíritos aparentados. De nenhum dos dois, contudo, pode-se dizer que tenha crescido em estatura ou credibilidade enquanto ocupava o cargo"

Oscar Niemeyer
"Outro exemplo de um aspecto da cultura brasileira elogiado muito mais do que ele provavelmente merece é a obra do arquiteto Oscar Niemeyer. Sei que isso pode soar chocante, porque há um consenso quase universal aqui no Brasil de que Niemeyer é um gênio. (...) Deixando de lado a política stalinista de Niemeyer, que é execrável, há uma contradição fundamental e irreconciliável entre o que ele professa e a obra que ele produziu. Ele afirma querer uma sociedade baseada em princípios igualitários, mas sua arquitetura, para usar a linguagem do mundo da computação, não é user-friendly. Ao contrário: ela é profundamente elitista e mesmo egoísta, concentrada principalmente em fazer declarações grandiosas e eloqüentes por si mesmas, para satisfação de Niemeyer e seus admiradores, mesmo que cause desconforto ou inconveniência ao usuário"

O esquema nas prefeituras petistas
"A atividade ilegal de levantamento de dinheiro em Santo André não era um caso isolado, como afirmavam os líderes do partido, mas era antes parte de um esquema generalizado para acumular uma grande soma em caixa 2 para a campanha, para contrabalançar o apoio da comunidade empresarial aos tucanos. Tinham sido dadas ordens a todos os prefeitos do PT, minha fonte me relatou, para levantar dinheiro por todos os meios possíveis, e cada município havia recorrido a um mecanismo um pouco diferente para cumprir sua cota. Em Santo André eram as empresas de ônibus, como havia ficado claro na investigação do assassinato de Celso Daniel. (...) Em Campinas, onde o prefeito, Antonio da Costa Santos, o ‘Toninho do PT’, tinha sido assassinado quatro meses antes de Celso Daniel, era o superfaturamento de obras públicas e de contratos de estacionamento. E em Ribeirão Preto eram os contratos de coleta de lixo. ‘Ribeirão Preto também?’, perguntei, um pouco chocado, mas no mesmo instante percebendo a importância do que ouvia. Estávamos falando obviamente da época em que Antonio Palocci era prefeito lá, e agora, como ministro da Fazenda, ele se tornara o símbolo da adoção por Lula da responsabilidade fiscal"
O caso Celso Daniel
“Enquanto fazia reportagens em São Paulo no começo de 2004, eu tinha entrevistado dois dos irmãos de Celso Daniel, um dos quais tinha se escondido depois de receber ameaças de morte. Bruno e João Francisco Daniel disseram com toda a clareza que, de acordo com o que seu irmão havia contado a eles, os membros mais importantes do PT não apenas sabiam do esquema de corrupção que provocou sua morte, como haviam desempenhado um papel ativo em sua operação. Além disso, eles me disseram, esses membros do PT tinham confirmado para Bruno esse papel. Em resultado disso e de outras entrevistas, minha reportagem incluía um parágrafo, mais ou menos na metade do texto, que imediatamente disparou o alarme no governo e no partido governante”.
‘Pouco tempo depois do enterro de Celso, Gilberto Carvalho me contou que tinha feito várias entregas em dinheiro vivo ao partido e que, em uma ocasião, ele ficou apavorado porque estava transportando mais de 600.000 dólares em uma maleta’, disse Bruno Daniel na entrevista. ‘“Ele me contou que entregava o dinheiro diretamente a José Dirceu, e foi isso que eu disse aos promotores’.”

Genoíno e a guerrilha do Araguaia
"As entrevistas com Genoíno, que parecia sempre achar a imprensa estrangeira insuficientemente respeitosa, eram sempre delicadas, e nenhuma delas foi mais delicada que esta. Eu entrevistara Genoíno várias vezes no passado, e ele sempre mostrara impaciência comigo e com minhas perguntas, que ele obviamente julgava serem especialmente impertinentes. Mas esta estava fadada a ser uma situação especialmente sensível, dada a história pessoal dele. Ele era tão suscetível a fofocas de que se tornara um dedo-duro sob tortura e revelara informações que comprometiam seus companheiros militantes que tinha até escrito um artigo de jornal negando os boatos"

Trechos de Deu no New York Times, de Larry Rohter
Lula e eu
"Fiquei puto porque, como pode um cidadão que nunca conversou comigo, que nunca tomou um copo de cerveja comigo, que nunca tomou um copo d'água comigo, fazer uma matéria de que eu bebia? Isso me deixou muito puto." Assim falou Luiz Inácio Lula da Silva numa entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em 2007, referindo-se à reportagem mais polêmica que eu escrevi em todos os meus anos como correspondente no Brasil.
O desabafo do presidente parece ser sincero, e contém várias frases de efeito. Só que, como muito do que Lula disse sobre tantas coisas ao longo dos anos, ele simplesmente não é correto.
O meu relacionamento com Lula, embora esporádico, data dos anos 70, quando ele estava surgindo como líder sindical e eu, um correspondente recém-chegado ao Brasil, o acompanhei e o observei. Já conversei bastante com ele, ouvindo declarações astutas e também bobagens, todas devidamente anotadas no meu bloquinho. Já tomei água, refrigerante e até uma cachacinha com ele. Então, fico perplexo quando ouço o presidente alegar que nunca teve nenhum contato comigo. A verdade é comprovadamente outra, como as matérias neste capítulo vão mostrar.
A primeira vez que encontrei Lula foi em maio de 1978, durante a primeira greve no ABCD paulista, que fez dele um líder nacional. Na época, eu era correspondente do The Washington Post e da revista Newsweek, e minhas primeiras impressões, baseadas nas entrevistas que ele dava a nós da imprensa, foram positivas, e nosso relacionamento inicial foi cordial. Na época, como agora, Lula chamou minha atenção como um líder astuto e sagaz, com bons instintos políticos. Sim, a linguagem dele às vezes derivava para a fanfarronice e o exagero, e ele tinha um jeito meio rude. Mas isso parecia ser exatamente o que a situação exigia naquele momento: um líder trabalhador franco e duro que pudesse enfrentar o general Ernesto Geisel e o general Golbery do Couto e Silva, que governavam o país na época, e mobilizar suas tropas contra as deles.
Naquele momento, o Brasil estava começando sua transição de volta à democracia, e a classe trabalhadora precisava de um escoadouro tanto para suas demandas salariais como para as frustrações que haviam crescido durante anos de exploração. Lula logo passou a personificar essas aspirações. É claro que ninguém na época poderia tê-lo imaginado como presidente de uma nação de 180 milhões de pessoas, ou que algumas das mesmas qualidades que faziam dele um líder trabalhador tão eficaz pudessem acabar sendo não tão desejáveis em um chefe de Estado. Depois de anos de pelegos dominando o movimento dos trabalhadores no Brasil, parecia um milagre que estivesse surgindo um autêntico "herói da classe operária", para tomar emprestada uma frase de John Lennon que foi usada como título de minha primeira reportagem sobre Lula.
Eu era pessoalmente simpático a muitas das aspirações que Lula expressava em nome da classe trabalhadora industrial. Tendo sido criado em Chicago, fui trabalhar em fábricas assim que fiz 16 anos, a idade mínima com que as pessoas são autorizadas a trabalhar nos Estados Unidos. Trabalhei primeiro na linha de produção de uma fábrica de lâmpadas, ganhando o salário mínimo, e depois, como estudante universitário, consegui emprego em uma fábrica de espelhos, fazendo um trabalho que envolvia o manuseio de produtos químicos perigosos. Também trabalhei como carteiro, carregador e músico, e pertenci a dois sindicatos. Então, já conhecia algo do mundo do trabalho braçal, e das frustrações e do desejo de dignidade associados a ele. Depois que cheguei ao Brasil, também fui colher café e cortar cana-de-açúcar, apenas para ser capaz de entender melhor a natureza desses trabalhos - o que me levou a concluir que cortar cana deve ser o pior trabalho do mundo.
Quando uma greve geral foi convocada em abril de 1979, fui para o ABC pela revista Newsweek para escrever o que acabou sendo o primeiro perfil de Lula a ser publicado por um dos órgãos importantes da imprensa americana. Durante quase uma semana, acompanhei Lula em discursos, reuniões e discussões estratégicas; também fiz um par de entrevistas pessoalmente com ele, que se refletiram na reportagem da Newsweek reproduzida neste livro. Fiquei sabendo depois que Lula ficou contente com o resultado, e era mesmo para ficar. A exemplo de Lech Walesa, com quem era às vezes comparado naquela época, se quisesse fazer seu trabalho com eficácia, Lula precisava de proteção contra uma prisão arbitrária. Ter seu nome mais conhecido no exterior era uma forma importante de ele obter essa blindagem.
De perto, Lula parecia então ser uma mistura interessante de personalidade ainda em formação com uma capacidade tirada das ruas de sobreviver em ambientes hostis, uma pedra ainda por lapidar, cercado por bandos concorrentes de ideólogos e pragmáticos que manobravam para obter o apoio dele para suas metas conflitantes. Às vezes, a facção marxista-leninista parecia ter enchido a cabeça dele com noções simplistas antiquadas de luta de classes e política mundial. Eu atribuía sua disposição para repetir esses clichês, e sua imagem caricatural da vida nos Estados Unidos, à falta de conhecimento que ele tinha do mundo fora do Brasil, mas presumia que Lula superaria isso à medida que sua experiência e suas viagens se ampliassem.
Na maior parte do tempo, no entanto, Lula era um pragmático consumado, centrado principalmente nas questões básicas mais importantes e disposto a usar (e também descartar) o apoio de qualquer parte se ela servisse a seus propósitos. Na época, como agora, ele também tinha um inegável calor pessoal, que o tornava uma personalidade atraente, em especial para os trabalhadores que se esforçava em organizar e representar. Era um deles e falava sua linguagem, o que era algo novo e saudável para o Brasil.
Também fiquei impressionado na época com as generosas quantidades de álcool que ele consumia. Como tenho por hábito quando estou trabalhando, eu me limitava a tomar Fanta Laranja, e me lembro de Lula me provocar com bom humor por causa disso. "Que que é isso, meu caro? Um jornalista que não gosta de beber?" Enquanto ia de uma reunião a outra, ele bebia o que lhe oferecessem: cachaça, uísque, conhaque para se aquecer em manhãs frias, e mesmo a cerveja da qual ele afirma não gostar. Às vezes seus olhos ficavam injetados e sua fala, enrolada. Era difícil dizer se isso se devia ao álcool, porque ele estava visivelmente fatigado de tensão e falta de sono, e tendia, mesmo quando não tinha bebido, a falar alto e a divagar em público, pulando de um tópico a outro. Mas um líder sindical que bebia muito não me parecia nada estranho: em Chicago, a maioria dos chefes de sindicato em torno dos quais cresci eram irlandeses, e famosos por sua afinidade com bebidas alcoólicas, de qualquer tipo e em qualquer quantidade. Lula parecia pertencer à mesma linhagem.
Embora eu pensasse que Lula era muito capaz como sindicalista, as coisas ficaram mais complicadas quando o PT foi fundado, no começo de 1980. Como político, Lula era solicitado a manifestar posições políticas sobre muitos assuntos dos quais não sabia absolutamente nada, e muitas declarações questionáveis - que, suspeito, ele depois lamentou - terminaram saindo de sua boca, especialmente sobre questões de política internacional.
Deixei o Brasil em 1982, mas durante os anos que passei na China, na América Central, no México e no Caribe continuei a observar Lula a distância, mais por curiosidade pessoal do que por necessidade profissional. Eu estava no Brasil em férias durante a campanha de 1989, e prestei especial atenção a ele na época. A última vez que me lembro de ter falado com ele antes de voltar ao Brasil, em novembro de 1998, foi em El Salvador, em 1996, em uma reunião do Foro de São Paulo, que cobri. Ele e eu estávamos hospedados no mesmo hotel, então eu me reapresentei, ganhando um abraço caloroso e um cumprimento, "Como vai, meu querido?". Em outras palavras, todos os meus contatos com Lula foram positivos e cordiais até o momento em que comecei a escrever sobre ele como chefe de sucursal do New York Times.
Quando voltei ao Brasil há uma década, inicialmente Lula não parecia ser uma figura central em minha tela de radar. Em 1999, ele já havia concorrido à Presidência três vezes e perdido, e quando eu refiz contato com alguns velhos amigos do PT, eles indicaram que Lula estava em dúvida sobre a sensatez de concorrer pela quarta vez em 2002. Além disso, FHC estava no poder, e o Brasil passava por uma crise financeira que deixou Wall Street e Washington em pânico, portanto, meu foco principal estava nessas histórias.
Quando olhamos para trás, Lula hoje parece quase predestinado a ter ganho a Presidência em 2002. Mas certamente não parecia assim naquela época, e a verdade é que ele se beneficiou de alguns lances de sorte. O primeiro foi a morte prematura, de câncer, de Mário Covas, do PSDB, que tinha uma poderosa base eleitoral como governador de São Paulo e teria sido um oponente formidável. Depois, bem no momento em que Roseana Sarney estava prestes a ultrapassar Lula nas pesquisas de opinião pública no começo de 2002, sua candidatura foi destruída por uma batida da Polícia Federal no escritório do marido dela em São Luís, que encontrou em um cofre pilhas de dinheiro inexplicado. As pesquisas indicavam que o país tinha fome de mudança, e até então Roseana Sarney, apesar de pertencer ao PFL e ser filha de um ex-presidente, parecia estar conseguindo se apresentar como uma "cara nova" e uma alternativa à velha briga de sempre entre tucanos e petistas.
O maior golpe de sorte de Lula, no entanto, foi que o PT conseguiu desviar a atenção do assassinato, em 20 de janeiro de 2002, de Celso Daniel, prefeito de Santo André, que era um dos principais assessores de campanha de Lula e que também se previa que fosse ministro, talvez da Fazenda, em qualquer governo do PT. Se aquela investigação tivesse sido levada a cabo com o mesmo vigor e energia que foram dirigidos contra Roseana Sarney, poderia facilmente ter torpedeado a candidatura do próprio Lula, pelas mesmas razões pelas quais a campanha de Roseana desmoronou. Mas terei muito mais a dizer sobre o caso Celso Daniel em breve.

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