Corte no orçamento: Embora alguns encarem o adiamento das seleções públicas como chance de se preparar melhor, a maioria lamenta a decisão.
Autores: Cristiane Bonfanti e Débora Álvares
Correio Braziliense - 11/02/2011
O adiamento dos concursos públicos e das nomeações anunciado pelo governo vai alterar a rotina de milhares de candidatos em todo o Brasil. De um lado há os comemoram por conseguirem mais tempo de preparação para as provas. De outro, os lamentos de quem deixou o emprego e fez compromissos esperando a sonhada aprovação e o desânimo dos recém-aprovados que aguardam a convocação. O fotógrafo João Américo Filippi, 28 anos, foi classificado para o cadastro reserva do Ministério Público da União (MPU), que conta com projeto de lei sancionado para abrir 6.804 cargos até 2014. “Eu estava na expectativa de começar a trabalhar, no máximo, agora em fevereiro”, contou Filippi, que começou a estudar para as seleções públicas em 2008.
Assim como Filippi, milhares de pessoas no país deixaram a carreira de lado para estudar. “É uma situação desesperadora para uma pessoa como eu, que estou formada, não trabalho, me dediquei e, agora, fiquei sem perspectivas”, desabafou Isabella Mezzeth, 25 anos, que adiou o projeto de cursar uma especialização para prestar concursos. Isabella foi aprovada para o cadastro reserva da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além do MPU, e esperava ser nomeada em breve. “Infelizmente, terei de esperar. A opção é continuar estudando e torcer para que haja novas seleções.”
A analista de sistemas Andrea de Oliveira, 33 anos, pediu demissão há um ano para estudar. Passou na prova do Ministério do Turismo — que ofereceu 112 vagas — e aguarda a nomeação. “Fiquei preocupada, pois estava contando com essa convocação. Agora, quero fazer o concurso da Polícia Federal, que também está ameaçado, mas vou continuar estudando”, Andrea.
O anúncio de suspender as nomeações também deixou Adelson Viana, 28 anos, agoniado. Graduado em direito e concursado do Banco do Brasil, ele sonhava em migrar para sua área de formação. “Passei para o cadastro reserva do MPU e tinha muita expectativa de ser nomeado em breve.” Viana diz ter desistido, inclusive, de estudar para outras seleções. “Eu vou aguardar agora porque, pelo visto, as nomeações serão em número reduzido”, acredita. O matemático Leonardo Marinho, 31 anos, é servidor do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas aguarda a nomeação para o Banco Central. “Estava com esperanças de ser chamado ainda no primeiro semestre, mas, pelo visto, deve ficar para o segundo.”
Estudos
Embora compreensível para os especialistas, o comportamento de Viana e Marinho não é o mais indicado. Na opinião de Thiago Sayão, presidente do Complexo Educacional Damásio de Jesus, de São Paulo, os candidatos não podem diminuir o ritmo de estudos, pois a medida anunciada pelo governo não afeta as seleções estaduais e municipais. “Sem dúvida, haverá restrição na esfera federal, principalmente no primeiro semestre, mas isso atinge a minoria dos certames do país”, apostou o professor.
Sayão ressaltou que, por conta da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, o governo terá de reforçar o quadro de servidores. “A área de segurança pública precisará de recursos humanos. O concurso da Polícia Federal, por exemplo, é muito aguardado. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, frisou que as análises serão feitas caso a caso”, ressaltou o especialista.
Quem segue o conselho de Sayão é a universitária Camila Mortati, 30 anos. “A medida foi positiva, pois muitos vão desistir e a concorrência será menor. Agora vou continuar estudando com mais tranquilidade”, ponderou Camila, que dedica nove horas do dia se preparando para seleções públicas. O educador físico Diego Luís Pereira de Oliveira, 27, também comemorou a decisão. “Foi uma forma de motivação. Aqueles que estão batalhando para provas como a do Senado, que são muito difíceis, ganharam tempo”, avaliou. A administradora Rosimeire Rocha Guedes, 35, entretanto, não pensa da mesma forma. “É um banho de água fria. Muita gente suspende a vida para estudar e o governo anuncia uma mudança como essa. É desanimador.”
Vagas
O ano passado foi farto em concursos públicos para os candidatos. Levantamento da Vestcon mostra que houve cerca de 220 mil vagas ofertadas nos governos municipais, estaduais e federais em todo o país. Antes do anúncio do corte no Orçamento, a previsão era de que outras 200 mil oportunidades fossem abertas nas três esferas do poder neste ano. O processo seletivo que mais criou expectativas e polêmicas foi o do MPU, que abriu 594 vagas e cadastro reserva para cargos de níveis médio e superior. Ao todo, 754.791 pessoas se inscreveram, uma média de 1.270 candidatos por vaga. Desse total, 318.791 concorreram ao cargo de analista e 435.998 ao de técnico. Segundo o MPU, até hoje foram nomeadas 1.073 pessoas. “Não sabemos quantas pessoas serão convocadas neste ano. Estávamos esperando a definição do Orçamento para fazer essa previsão”, informou o órgão.
--------------------------------
Na prática, a postura é outra
Autora: Izabelle Torres
Correio Braziliense - 11/02/2011
Corte no orçamento: Segundo a oposição, as decisões anunciadas no início do governo Dilma Rousseff são as mesmas que a petista atribuía a Serra durante a campanha pela Presidência, como a suspensão de concursos públicos e mudanças na estrutura do Bolsa Família
As decisões anunciadas pela equipe de Dilma Rousseff mais parecem uma lista de consolidação das ameaças divulgadas durante a campanha eleitoral como primeiras medidas de um possível governo de José Serra (PSDB). Ao longo dos meses que antecederam a disputa, petistas e simpatizantes da candidatura que representou o continuísmo anunciavam que a gestão tucana estaria disposta a mudar o rumo do governo Lula, cortando a proposta de Orçamento apresentada no fim do ano passado e encolhendo a máquina de investimentos e contratações. Pouco mais de quatro meses separam o calor dessas discussões dos anúncios desta semana. Uma realidade que tem sido seguida de notícias que seriam uma crônica anunciada se não fosse o fato de o script ser protagonizado pelo governo do PT: integrado justamente por quem acusava a oposição de planejar tais medidas.
Durante a campanha, o candidato José Serra teve de modificar um dos programas eleitorais gratuitos para negar as notícias que circulavam na internet anunciando que ele estava disposto a suspender a convocação de concursados aprovados e de frear a realização de novas seleções públicas. “Tivemos de mudar tudo para que o Serra aparecesse na televisão dizendo que foi o governador que mais contratou concursados. Foi uma resposta a uma rede de boatos que surgiam a todo tempo. Acreditamos que essa ameaça feita por nosso opositores interferiram no desempenho ruim do nosso candidato principalmente em Brasília”, avalia Juthay Júnior (PSDB-BA), um dos coordenadores da campanha tucana à Presidência.
Mas essa não é a única demonstração de afinidade entre o que os governistas diziam que José Serra faria e o que Dilma Rousseff tem decidido nesses primeiros meses de governo. Além do arrocho de gastos que vai resultar na suspensão de concursos e no corte das emendas parlamentares, a prática petista se distancia do discurso eleitoral quando o assunto é a privatização de aeroportos, alternativas ao Bolsa Família e até reajustes do salário mínimo.
Críticas
Pelo menos em três dos programas eleitorais gratuitos do PT, o tempo disponível foi usado para criticar privatizações e acusar os governos do PSDB de recorrerem à prática frequentemente. Na internet, o tema sempre constava dos manifestos contrários ao candidato tucano. Agora, no mundo real, o governo de Dilma Rousseff começa a perceber que, sem privatizar, será impossível concluir as obras de estruturação dos aeroportos a tempo da realização das Olimpíadas no Brasil.
Outra fonte de votos dados à Dilma Rousseff — que agora tem tratamento diferente do que o anunciado durante a campanha eleitoral — é o programa Bolsa Família. No decorrer da disputa presidencial, o PT falava apenas em ampliação dos beneficiários, e a oposição tinha de desmentir diariamente o desejo de reduzir o programa ou acabar com ele. Agora, a nova ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, adota o discurso da campanha fracassada do PSDB e diz que o principal desafio do governo é o de encontrar uma “porta de saída” para os dependentes do auxílio entrarem no mercado de trabalho. Campello aceitou comandar a pasta porque a presidente concordou com a implantação de uma política destinada a reduzir o número de brasileiros que dependem do programa.
O polêmico reajuste do salário mínimo é outra mudança de discurso que não fazia parte do enredo anunciado na campanha de Dilma Rousseff. Com a sucessão de aumento real dado pelo governo Lula, a então candidata pouco detalhava valores durante os pronunciamentos que antecediam a eleição. Dizia apenas que daria continuidade a política adotada pela equipe do então presidente. Agora, propõe reajuste abaixo do esperado. “Se os brasileiros analisarem bem, vão ver a lista enorme de coisas que diziam que o governo de Serra iria fazer para prejudicar nossa candidatura e o que estão fazendo agora. Eles pensavam em fazer e jogavam o boato de que éramos nós os idealizadores dessas propostas. Uma tática eleitoral que deu certo, mas não foi honesta”, critica Juthay Júnior.
Mudança de planos
Nos primeiros meses no comando do país, Dilma Rousseff anunciou medidas que foram tratadas na campanha eleitoral como ameaças em um provável governo tucano. Veja alguns exemplos:
ü Suspensão de novos concursos públicos
ü Cancelamento das convocações de candidatos aprovados em concursos
ü Privatização de aeroportos
ü Arrocho do salário mínimo e reajustes sem aumento real
ü Freio nos investimentos e redução de gastos
ü Corte no orçamento proposto pela equipe do governo Lula
----------------------------------------
Falta convencer o mercado
Texto de Gabriel Caprioli
Os analistas do mercado financeiro receberam com ressalvas o anúncio de corte de R$ 50 bilhões no Orçamento deste ano. Ao prometer o ajuste, os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) esperavam alterar as expectativas dos economistas, que esperavam o tamanho da tesourada para fazer as contas e projetar, por exemplo, a trajetória da inflação e dos juros para 2011. Apesar de estar em linha com o que era esperado, o bloqueio não foi suficiente para convencer que o governo está disposto a apertar o cinto.
“Para começar, o corte foi feito em cima de uma proposta de orçamento bastante inflada. Além disso, os cortes só terão efeito ao longo do tempo porque estão focados, segundo os ministros, em medidas administrativas”, avaliou Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do Banco Central. Para ele, o esforço prometido pelo governo se traduzirá mais em uma racionalização de gastos do que em corte efetivo.
As declarações do ministro Mantega de que algumas “exceções” podem modificar a programação orçamentária e resultar na liberação de parte do bloqueio aumentou as dúvidas. “Ele não foi incisivo. Anunciou um corte, mas deixou a porta aberta para emergências e não deixou claro de onde vai cortar. A forma como o bloqueio foi divulgado, pouco claramente, decepcionou”, afirmou a economista-chefe da corretora Icap Brasil, Inês Filipa. Em sua avaliação, o corte de R$ 50 bilhões só será realizado efetivamente se atingir investimentos ou a área social. “Mas o mercado ficou confuso. Alguns analistas acharam positivo. Aqui, não mudamos nossa percepção”, comentou.
As cotações dos juros futuros — indicador que mostra diariamente a estimativa de avanço da taxa básica Selic nos próximos meses — fecharam o dia com pequenas oscilações e sem tendência definida, sinal de que o anúncio do contingenciamento alterou pouco a percepção do investidor. O dado é negativo, uma vez que se esperava que o corte levasse os aplicadores a estimar juros futuros menores.
O diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, afirmou acreditar que o ajuste fiscal vai ajudar a conter a atividade econômica e, portanto, contribuir para que o cenário inflacionário seja mais favorável. Menor pressão do governo nos preços, na prática, contribui para reduzir a inflação. Para os economistas, o cumprimento efetivo do bloqueio de R$ 50 bilhões teria impacto equivalente ao aumento da taxa básica Selic em 1 ponto percentual.
Aumento preventivo
Quando os analistas estão pessimistas em relação ao futuro da inflação e elevam suas projeções, ocorre um fenômeno conhecido como profecia autorrealizável, que é o aumento preventivo de preços por parte dos produtores e comerciantes. Aquilo que era uma previsão vira inflação porque ninguém quer perder o poder do dinheiro. Controlar essas expectativas é um dos esforços do governo.
Autores: Cristiane Bonfanti e Débora Álvares
Correio Braziliense - 11/02/2011
O adiamento dos concursos públicos e das nomeações anunciado pelo governo vai alterar a rotina de milhares de candidatos em todo o Brasil. De um lado há os comemoram por conseguirem mais tempo de preparação para as provas. De outro, os lamentos de quem deixou o emprego e fez compromissos esperando a sonhada aprovação e o desânimo dos recém-aprovados que aguardam a convocação. O fotógrafo João Américo Filippi, 28 anos, foi classificado para o cadastro reserva do Ministério Público da União (MPU), que conta com projeto de lei sancionado para abrir 6.804 cargos até 2014. “Eu estava na expectativa de começar a trabalhar, no máximo, agora em fevereiro”, contou Filippi, que começou a estudar para as seleções públicas em 2008.
Assim como Filippi, milhares de pessoas no país deixaram a carreira de lado para estudar. “É uma situação desesperadora para uma pessoa como eu, que estou formada, não trabalho, me dediquei e, agora, fiquei sem perspectivas”, desabafou Isabella Mezzeth, 25 anos, que adiou o projeto de cursar uma especialização para prestar concursos. Isabella foi aprovada para o cadastro reserva da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além do MPU, e esperava ser nomeada em breve. “Infelizmente, terei de esperar. A opção é continuar estudando e torcer para que haja novas seleções.”
A analista de sistemas Andrea de Oliveira, 33 anos, pediu demissão há um ano para estudar. Passou na prova do Ministério do Turismo — que ofereceu 112 vagas — e aguarda a nomeação. “Fiquei preocupada, pois estava contando com essa convocação. Agora, quero fazer o concurso da Polícia Federal, que também está ameaçado, mas vou continuar estudando”, Andrea.
O anúncio de suspender as nomeações também deixou Adelson Viana, 28 anos, agoniado. Graduado em direito e concursado do Banco do Brasil, ele sonhava em migrar para sua área de formação. “Passei para o cadastro reserva do MPU e tinha muita expectativa de ser nomeado em breve.” Viana diz ter desistido, inclusive, de estudar para outras seleções. “Eu vou aguardar agora porque, pelo visto, as nomeações serão em número reduzido”, acredita. O matemático Leonardo Marinho, 31 anos, é servidor do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas aguarda a nomeação para o Banco Central. “Estava com esperanças de ser chamado ainda no primeiro semestre, mas, pelo visto, deve ficar para o segundo.”
Estudos
Embora compreensível para os especialistas, o comportamento de Viana e Marinho não é o mais indicado. Na opinião de Thiago Sayão, presidente do Complexo Educacional Damásio de Jesus, de São Paulo, os candidatos não podem diminuir o ritmo de estudos, pois a medida anunciada pelo governo não afeta as seleções estaduais e municipais. “Sem dúvida, haverá restrição na esfera federal, principalmente no primeiro semestre, mas isso atinge a minoria dos certames do país”, apostou o professor.
Sayão ressaltou que, por conta da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, o governo terá de reforçar o quadro de servidores. “A área de segurança pública precisará de recursos humanos. O concurso da Polícia Federal, por exemplo, é muito aguardado. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, frisou que as análises serão feitas caso a caso”, ressaltou o especialista.
Quem segue o conselho de Sayão é a universitária Camila Mortati, 30 anos. “A medida foi positiva, pois muitos vão desistir e a concorrência será menor. Agora vou continuar estudando com mais tranquilidade”, ponderou Camila, que dedica nove horas do dia se preparando para seleções públicas. O educador físico Diego Luís Pereira de Oliveira, 27, também comemorou a decisão. “Foi uma forma de motivação. Aqueles que estão batalhando para provas como a do Senado, que são muito difíceis, ganharam tempo”, avaliou. A administradora Rosimeire Rocha Guedes, 35, entretanto, não pensa da mesma forma. “É um banho de água fria. Muita gente suspende a vida para estudar e o governo anuncia uma mudança como essa. É desanimador.”
Vagas
O ano passado foi farto em concursos públicos para os candidatos. Levantamento da Vestcon mostra que houve cerca de 220 mil vagas ofertadas nos governos municipais, estaduais e federais em todo o país. Antes do anúncio do corte no Orçamento, a previsão era de que outras 200 mil oportunidades fossem abertas nas três esferas do poder neste ano. O processo seletivo que mais criou expectativas e polêmicas foi o do MPU, que abriu 594 vagas e cadastro reserva para cargos de níveis médio e superior. Ao todo, 754.791 pessoas se inscreveram, uma média de 1.270 candidatos por vaga. Desse total, 318.791 concorreram ao cargo de analista e 435.998 ao de técnico. Segundo o MPU, até hoje foram nomeadas 1.073 pessoas. “Não sabemos quantas pessoas serão convocadas neste ano. Estávamos esperando a definição do Orçamento para fazer essa previsão”, informou o órgão.
--------------------------------
Na prática, a postura é outra
Autora: Izabelle Torres
Correio Braziliense - 11/02/2011
Corte no orçamento: Segundo a oposição, as decisões anunciadas no início do governo Dilma Rousseff são as mesmas que a petista atribuía a Serra durante a campanha pela Presidência, como a suspensão de concursos públicos e mudanças na estrutura do Bolsa Família
As decisões anunciadas pela equipe de Dilma Rousseff mais parecem uma lista de consolidação das ameaças divulgadas durante a campanha eleitoral como primeiras medidas de um possível governo de José Serra (PSDB). Ao longo dos meses que antecederam a disputa, petistas e simpatizantes da candidatura que representou o continuísmo anunciavam que a gestão tucana estaria disposta a mudar o rumo do governo Lula, cortando a proposta de Orçamento apresentada no fim do ano passado e encolhendo a máquina de investimentos e contratações. Pouco mais de quatro meses separam o calor dessas discussões dos anúncios desta semana. Uma realidade que tem sido seguida de notícias que seriam uma crônica anunciada se não fosse o fato de o script ser protagonizado pelo governo do PT: integrado justamente por quem acusava a oposição de planejar tais medidas.
Durante a campanha, o candidato José Serra teve de modificar um dos programas eleitorais gratuitos para negar as notícias que circulavam na internet anunciando que ele estava disposto a suspender a convocação de concursados aprovados e de frear a realização de novas seleções públicas. “Tivemos de mudar tudo para que o Serra aparecesse na televisão dizendo que foi o governador que mais contratou concursados. Foi uma resposta a uma rede de boatos que surgiam a todo tempo. Acreditamos que essa ameaça feita por nosso opositores interferiram no desempenho ruim do nosso candidato principalmente em Brasília”, avalia Juthay Júnior (PSDB-BA), um dos coordenadores da campanha tucana à Presidência.
Mas essa não é a única demonstração de afinidade entre o que os governistas diziam que José Serra faria e o que Dilma Rousseff tem decidido nesses primeiros meses de governo. Além do arrocho de gastos que vai resultar na suspensão de concursos e no corte das emendas parlamentares, a prática petista se distancia do discurso eleitoral quando o assunto é a privatização de aeroportos, alternativas ao Bolsa Família e até reajustes do salário mínimo.
Críticas
Pelo menos em três dos programas eleitorais gratuitos do PT, o tempo disponível foi usado para criticar privatizações e acusar os governos do PSDB de recorrerem à prática frequentemente. Na internet, o tema sempre constava dos manifestos contrários ao candidato tucano. Agora, no mundo real, o governo de Dilma Rousseff começa a perceber que, sem privatizar, será impossível concluir as obras de estruturação dos aeroportos a tempo da realização das Olimpíadas no Brasil.
Outra fonte de votos dados à Dilma Rousseff — que agora tem tratamento diferente do que o anunciado durante a campanha eleitoral — é o programa Bolsa Família. No decorrer da disputa presidencial, o PT falava apenas em ampliação dos beneficiários, e a oposição tinha de desmentir diariamente o desejo de reduzir o programa ou acabar com ele. Agora, a nova ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, adota o discurso da campanha fracassada do PSDB e diz que o principal desafio do governo é o de encontrar uma “porta de saída” para os dependentes do auxílio entrarem no mercado de trabalho. Campello aceitou comandar a pasta porque a presidente concordou com a implantação de uma política destinada a reduzir o número de brasileiros que dependem do programa.
O polêmico reajuste do salário mínimo é outra mudança de discurso que não fazia parte do enredo anunciado na campanha de Dilma Rousseff. Com a sucessão de aumento real dado pelo governo Lula, a então candidata pouco detalhava valores durante os pronunciamentos que antecediam a eleição. Dizia apenas que daria continuidade a política adotada pela equipe do então presidente. Agora, propõe reajuste abaixo do esperado. “Se os brasileiros analisarem bem, vão ver a lista enorme de coisas que diziam que o governo de Serra iria fazer para prejudicar nossa candidatura e o que estão fazendo agora. Eles pensavam em fazer e jogavam o boato de que éramos nós os idealizadores dessas propostas. Uma tática eleitoral que deu certo, mas não foi honesta”, critica Juthay Júnior.
Mudança de planos
Nos primeiros meses no comando do país, Dilma Rousseff anunciou medidas que foram tratadas na campanha eleitoral como ameaças em um provável governo tucano. Veja alguns exemplos:
ü Suspensão de novos concursos públicos
ü Cancelamento das convocações de candidatos aprovados em concursos
ü Privatização de aeroportos
ü Arrocho do salário mínimo e reajustes sem aumento real
ü Freio nos investimentos e redução de gastos
ü Corte no orçamento proposto pela equipe do governo Lula
----------------------------------------
Falta convencer o mercado
Texto de Gabriel Caprioli
Os analistas do mercado financeiro receberam com ressalvas o anúncio de corte de R$ 50 bilhões no Orçamento deste ano. Ao prometer o ajuste, os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) esperavam alterar as expectativas dos economistas, que esperavam o tamanho da tesourada para fazer as contas e projetar, por exemplo, a trajetória da inflação e dos juros para 2011. Apesar de estar em linha com o que era esperado, o bloqueio não foi suficiente para convencer que o governo está disposto a apertar o cinto.
“Para começar, o corte foi feito em cima de uma proposta de orçamento bastante inflada. Além disso, os cortes só terão efeito ao longo do tempo porque estão focados, segundo os ministros, em medidas administrativas”, avaliou Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do Banco Central. Para ele, o esforço prometido pelo governo se traduzirá mais em uma racionalização de gastos do que em corte efetivo.
As declarações do ministro Mantega de que algumas “exceções” podem modificar a programação orçamentária e resultar na liberação de parte do bloqueio aumentou as dúvidas. “Ele não foi incisivo. Anunciou um corte, mas deixou a porta aberta para emergências e não deixou claro de onde vai cortar. A forma como o bloqueio foi divulgado, pouco claramente, decepcionou”, afirmou a economista-chefe da corretora Icap Brasil, Inês Filipa. Em sua avaliação, o corte de R$ 50 bilhões só será realizado efetivamente se atingir investimentos ou a área social. “Mas o mercado ficou confuso. Alguns analistas acharam positivo. Aqui, não mudamos nossa percepção”, comentou.
As cotações dos juros futuros — indicador que mostra diariamente a estimativa de avanço da taxa básica Selic nos próximos meses — fecharam o dia com pequenas oscilações e sem tendência definida, sinal de que o anúncio do contingenciamento alterou pouco a percepção do investidor. O dado é negativo, uma vez que se esperava que o corte levasse os aplicadores a estimar juros futuros menores.
O diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, afirmou acreditar que o ajuste fiscal vai ajudar a conter a atividade econômica e, portanto, contribuir para que o cenário inflacionário seja mais favorável. Menor pressão do governo nos preços, na prática, contribui para reduzir a inflação. Para os economistas, o cumprimento efetivo do bloqueio de R$ 50 bilhões teria impacto equivalente ao aumento da taxa básica Selic em 1 ponto percentual.
Aumento preventivo
Quando os analistas estão pessimistas em relação ao futuro da inflação e elevam suas projeções, ocorre um fenômeno conhecido como profecia autorrealizável, que é o aumento preventivo de preços por parte dos produtores e comerciantes. Aquilo que era uma previsão vira inflação porque ninguém quer perder o poder do dinheiro. Controlar essas expectativas é um dos esforços do governo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos o seu comentário...