Texto extraído do livro BRASIL: UMA HISTÓRIA cinco séculos de um país em construção de Eduardo Bueno. Edição 2010, pag 27, editora LEYA.
Como na história bíblica de Ló — o sobrinho de Abraão que sobreviveu à destruição de Sodorna e Gomorra e teve de praticar o incesto com as duas filhas para evitar o fim da própria tribo —, apenas uma relação incestuosa poderá salvar os índios Avá-Canoeiro da extinção. Outrora temidos numerosos — eram mais de três mil em 1750 —, os Avá-Canoeiro não são, na aurora do Terceiro Milênio, mais do que dez. Entre essa única e última dezena de sobreviventes, apenas o garoto Trumack (nascido em 1987) e a menina Potdjawa (de 1989) podem ter filhos. Só que Potdjawa e Trumack (na foto, banhando-se no rio Tocantins) são irmãos. Como entre muitos outros povos do mundo, entre os Avá-Canoeiro a pena para o incesto é a morte. O dilema dessa tribo é exemplar: haverá para os índios do Brasil futuro que não seja perverso?
Tão desesperador quanto o caso dos Canoeiro é o dos Xetá, do Paraná, la qual só restam sete membros.
Do descobrimento até hoje, mais de mil grupos étnicos já foram extintos no Brasil. Sobram 200 tribos e pouco mais mil índios. Suas reservas ocupam 850 mil quilômetros quadrados, ou cerca de 10% do território nacional — área sob constante ameaça de invasores e posseiros. Em pleno século XXI, o Brasil ainda trata seus nativos como mero entrave ao avanço da civilização. Dessa forma, infelizmente, não é possível dizer se ainda haverá salvação para os habitantes originais de Pindorama, a Terra das Palmeiras.
De todos os dramas vividos pelas tribos brasileiras, o mais rumoroso tem sido o do suicídio coletivo dos Guarani-Kayowá, de Mato Grosso do Sul. Agrupados cm reservas improdutivas, submetidos a um regime de trabalho semiescravo e despojados de suas tradições, 236 Kayowá se mataram em menos de uma década. Só em 1995, foram 54 os que cometeram o deduí, o suicídio ritual — ou rito de “apagar o Sol”, como os próprios índios, trágica e poeticamente, o denominam.
Em dezembro de 1995, o então Ministro da Justiça Nelson Jobim foi a Mato Grosso do Sul e aumentou a área de uma das menores reservas dos Kayowá. No mesmo dia, porém, o jovem Odair Lescano, de 17 anos, enforcou-se no abacateiro em frente à sua choupana. Poucas semanas antes da morte de Lescano, antropólogos da Funai haviam contatado, em Rondônia, um casal de índios de um grupo desconhecido até então. De acordo com os dois sobreviventes, o restante da tribo já havia sido exterminado por fazendeiros.
No Brasil, a Idade da Pedra ainda não acabou.
A POPULAÇÃO NATIVA
Jamais se saberá com certeza, mas quando os portugueses chegaram à Bahia, os índios brasileiros somavam mais de dois milhões — quase três, segundo alguns autores. Mas, no alvorecer do Terceiro Milênio da Era Cristã, não passam de 325.652 — menos do que dois estádios do Maracanã lotados. Foram dizimados por gripes, sarampo e varíola; escravizados aos milhares e exterminados pelo avanço da civilização e pelas guerras intertribais, em geral estimuladas pelos colonizadores europeus. Ainda assim, os povos remanescentes constituem 215 nações e falam 170 línguas diferentes. De acordo com dados do ano 2000, obtidos junto à Fundação Nacional do Índio (Funai), as tribos mais ameaçadas de extinção são os Xetá do Parana’ (restam apenas sete individuos), os juma, da Amazonas (cinco) e os Avá-Canoeiro (dez, dos quais só seis contatados). As tribos mais numerosas são os Ticuna (23 mil indios), os Xavante e os Kayapó. A idade média dos índios brasileiros é 17,5 anos, porque mais da metade da população tem menos de 15 anos A expectativa de vida é de 45,6 anos, e a mortalidade infantil é de 150 para cada mil nascidos. Existem pelo menos 30 grupos que jamais mantiveram contato com o homem branco, 41 dos quais sequer se sabe onde vivem — embora seu destino já pareça traçado: a extinção os persegue e ameaça.
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