Autor: Roberto Giannetti da Fonseca
O Estado de S. Paulo - 08/08/2011
Muito se tem dito e escrito nas últimas semanas sobre a questão da apreciação cambial no Brasil, em especial sobre as medidas adotadas pelo governo federal no dia 27 de julho com respeito ao mercado de derivativos cambiais.
Primeiramente, gostaria de argumentar contra o grave equívoco da utilização do câmbio valorizado como instrumento de combate à inflação. Trata-se de mecanismo claramente ineficaz, pois não atinge o cerne da pressão inflacionária, que reside nos inúmeros preços ainda indexados e nos preços do setor de serviços (alta de 8,75% nos últimos 12 meses). As medidas mais eficazes seriam as macroprudenciais, de contenção do crédito, de redução do gasto público, entre outras. Questionaria, também, a esta altura, a eficácia da taxa Selic no controle do nível de demanda agregada. Tal hipótese, no caso da economia brasileira, exigiria uma análise mais apurada dos mecanismos de transmissão da política monetária aqui aplicada. Mas isso seria tema para outro artigo.
Alguns economistas questionam a relevância do mercado de derivativos na formação da taxa de câmbio no Brasil. Eu aprendi nos anos 70, como estudante de Economia, que a taxa de câmbio se forma principalmente no mercado à vista de um determinado país, por meio dos fluxos constituídos da oferta e da demanda dos pagamentos de exportações e importações de bens e serviços, operações de turismo, royalties, financiamentos, juros, dividendos, além dos fluxos de capital de investimento.
Hoje em dia, no Brasil, esse conceito está absolutamente superado. Com a globalização financeira, combinada com a liquidez internacional e a desregulamentação dos mercados financeiros, o mercado futuro de derivativos se agigantou de tal forma que passou a ser a força dominante na formação da taxa de câmbio. Uma característica singular do mercado cambial brasileiro é a expressiva diferença entre os valores transacionados nos mercados de câmbio à vista e de câmbio futuro - em média, nos últimos três anos, no Brasil, o mercado futuro de câmbio superou em mais de quatro vezes as operações do mercado à vista. Nas principais economias do mundo, segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS), as transações no mercado à vista superam amplamente as do mercado futuro.
Tal fenômeno no Brasil se explica pela alta lucratividade e o baixo risco relativo que a operação denominada carry trade oferece a seus investidores, na qual eles assumem uma posição ativa numa moeda cujos juros estão elevados (moeda de investimento) e uma posição passiva numa moeda cujos juros estão baixos (moeda de financiamento). Se a moeda de investimento se desvalorizar em relação à moeda de financiamento, em montante superior ao diferencial dos juros, isso resultaria em prejuízo para eles. Caso ela se valorize, aumentaria ainda mais seu ganho. No caso do Brasil, há pelo menos duas formas para um investidor estrangeiro realizar operações de carry trade com posição ativa em reais: por meio da aquisição de ativos de renda fixa no mercado de capitais, na qual o IOF é um mecanismo efetivo de desestímulo; ou por meio de operações de derivativos no mercado futuro, onde as múltiplas alternativas de estruturação tornam difícil o controle dessas operações por meio de mera tributação. Mas aumentar o risco e o controle dessas operações, mesmo que vulneráveis a prováveis burlas, vai afugentar muitos especuladores covardes.
Enganam-se aqueles que acreditam que as operações de hedge cambial predominam nesse mercado futuro de derivativos aqui, no Brasil. Prevalecem, isso sim, as operações de carry trade, ou seja, arbitragem de juros internos e externos vinculada à especulação cambial. Nessas operações, o investidor precisa depositar apenas uma margem de garantia de cerca de 10% do valor do limite operacional, podendo gerar múltiplas vezes uma posição de compra ou de venda de dólares no mercado futuro.
Outros afirmam, assustados, que as operações de câmbio futuro da BM&F vão migrar para o exterior. Ora, não sendo o real uma moeda conversível e de curso internacional, é muito improvável que existam pontas vendedoras e compradoras de real em Chicago, Londres ou Nova York. Sem uma das duas pontas não há mercado, pura e simplesmente. Esse argumento, portanto, é falso, mas mesmo assim cabe indagar o que seria pior para o Brasil: a migração do mercado futuro de câmbio da BM&F ou de grande parte da sua indústria de transformação? Efeitos colaterais indesejáveis certamente existirão, mas entendemos que o Conselho Monetário Nacional poderá realizar ajustes em breve, sem com isso abrir a guarda para os especuladores de plantão.
Acredito com convicção que, desta vez, o governo federal finalmente acertou no alvo certo. Tanto que os especuladores sentiram o golpe e estão reagindo pela mídia por meio de seus porta-vozes. É preciso resistir a críticas infundadas com a determinação de quem deseja o melhor desempenho para a economia brasileira.
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